A espada de Dâmocles sobre a reforma ortográfica (2)

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  A língua é viva? Vivíssima. Como os humanos, muda ao longo dos anos. Pra evitar a anarquia e, em consequência, a desintegração, dicionários e gramáticas estabelecem limites. As academias de letras avalizam mudanças. (No Brasil, o poder fica com a Academia Brasileira de Letras.) A mais recente foi o Acordo Ortográfico de 1990.

Firmado pelos países lusófonos — Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe —, o acerto não fixa data comum pra entrar em vigor. O Brasil decidiu que, neste país tropical, a reforma ortográfica seria obrigatória a partir de 1º de janeiro de 2013.

Mas fala-se em estender o prazo até 2016. Pra concretizar a procrastinação, a presidente Dilma deve assinar decreto de adiamento até 31 de dezembro. Assinará? Pelo sim, pelo não, a coluna faz resumo das alterações propostas. Na primeira, tratou de alfabeto, trema, travessão. Agora, chegou a vez dos acentos. Vamos lá?

Perdem o acento

1. o hiato oo: abençoo, perdoo, coroo, voos

Curiosidade: a língua caminha para a simplificação. O hiato o-o se pronuncia o-o. Se não contribui pra pronúncia, acento pra quê?

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2. o hiato eem: veem, leem, creem, deem

Atenção, gente. Não confunda os verbos ver, ler, crer e dar com ter e vir. O quarteto dobra o e na 3ª pessoa do plural (ele vê, eles veem; ele lê, eles leem; ele crê, eles creem; ele dê, eles deem). Ter e vir jogam em outro time. O acento indica o plural (ele tem, eles têm; ele vem, eles vêm). O chapeuzinho permanece firme e forte na duplinha.

Curiosidade: a língua odeia redundância. Nos verbos ler, ver, crer e dar, havia duas indicações de plural — a desinência em + o acento. Daí o chapéu ter caído fora. Nos verbos ter e vir, o acento é a única marca do plural. Daí a permanência.

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3. o i e o u antecedidos de ditongo: feiura, baiuca, boiuno, bocaiuva, Sauipe

Abra os dois olhos. Não confunda as regras de feiura e saúde. Antes do u de saúde, vem vogal. O acento se mantém porque quebra o ditongo. Feiura perde o grampo porque não há jeito de pronunciar o u na mesma sílaba do ditongo.

Curiosidade: em português, deve haver meia dúzia de vocábulos em que o u e o i são antecedidos de ditongo.

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4. os ditongos abertos ei e oi (nas paroxítonas): ideia, assembleia, panaceia, joia, heroico, paranoico, apoio, alcateia, epopeia, odisseia, geleia, boia, colmeia, estreia.

Olho vivo! Os ditongos abertos perderam o acento nas paroxítonas. As oxítonas e os monossílabos tônicos o mantêm: dói, lençóis, herói, papéis, pastéis, anéis, fiéis, remói.

Curiosidade: as letras que formam ditongo parecem unha e carne. Mantenha a duplinha colada nos exercícios de separação silábica: i-dei-a, as-sem-blei-a, joi-a, es-trei-a.

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5. o u tônico dos verbos apaziguar, averiguar, arguir: apazigue, averiguem, argue.

Curiosidade: nesses verbos, o u ora tinha acento, ora trema, ora nada. Que confusão! Agora fica sempre solto, sem lenço e sem documento.

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6. as palavras que mantiveram o diferencial depois da reforma de 1971: pelo, para, polo, pera, pelo, pela.

Exceções: pôde e pôr

Curiosidade: pôde não foi esquecido. A reforma de 1971 o manteve como exceção. A atual respeitou a decisão. Pôr conservou o chapéu porque só as paroxítonas sofreram alterações. Ele é monossílabo.