A espada de Dâmocles sobre a reforma ortográfica (1)

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A marca do Brasil? Deixar para amanhã o que pode fazer hoje. Se facilitar, pra depois de amanhã, pra semana que vem, pro ano que vem, pra década que vem, pro século que vem. A reforma ortográfica não fugiu à regra. Pesa sobre ela a ameaça de só se tornar obrigatória em 2016. Basta a presidente Dilma assinar o decreto de adiamento.

O texto está prontinho. Se receber a firma até 31 de dezembro, cumpre-se o destino nacional. Se não, as mudanças entrarão definitivamente em vigor. Pelo, sim, pelo não, vale rever as alterações propostas pelo acordo. Elas são realidade. Estão em dicionários, gramáticas, livros didáticos. Mesmo empurradas pra 2016, é bom assumi-las já. Guarde este post e o próximo. Ambos resumem as alterações do português nosso de todos os dias.

O que é?

Olho vivo! O acordo impôs mudanças na grafia de palavras. Abrange letras, acentos, trema, travessão e hifens. A reforma é ortográfica. Só atinge a escrita de vocábulos. A pronúncia se mantém. Concordâncias, regências, colocações também.

Lembre-se: ortografia tem duas partes. Uma: orthós. Quer dizer correto. A outra: graphia. Significa escrever. Ortografia é, pois, a escrita das palavras como manda o dicionário. Não caia na esparrela de dizer ortografia correta. É redundância. Orto- dá o recado.

Objetivo

A reforma teve um foco: unificar o português escrito nos países lusófonos — Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe. Em 2002, o Timor-Leste integrou a comunidade. Por que a iniciativa se tornou necessária? O português é a única língua que tem duas grafias nos organismos internacionais. O Brasil se recusa a assinar documentos escritos no português de Portugal. Portugal se recusa a assinar os escritos no português do Brasil. Um considera a língua do outro errada. Vexame.

Duas superdicas

Uma: apenas as paroxítonas sofreram mudanças. Monossílabas, oxítonas e proparoxítonas passaram ilesas pelas alterações.

A outra: existem três acentos — o agudo (´), o grave (`) e o circunflexo (^). Trema (¨), hífen (-), travessão (—), parênteses (()) são notações léxicas (os acentos também), não acentos.

O que mudou?

Alfabeto

A palavra alfabeto é formada de dois vocábulos. Um: alfa, 1ª letra do alfabeto grego. O outro: beta, a 2ª letra. Abecedário é o sinônimo latino. Vem de a,b,c.

Nosso abecedário tinha 23 letras. Ganhou três — k, w e y. Agora tem 26. São elas: a, b, c, d, e, f, g, h, i, j, k, l, m, n, o p, q, r, s, t, u, y, v, w, z.

Olho vivo. O acréscimo não muda nada. Apenas tornou de direito o que era fato. Uísque continua a se escrever com u. Quilo, com q.

Travessão

O travessão perdeu uma função. Antes, usava-se pra ligar palavras que mantinham o significado: Ponte Rio — Niterói, Trecho Paris — Tóquio, Igualidade — Liberdade — Fraternidade. Agora cedeu o lugar ao hífen: Ponte Rio-Niterói, Trecho Paris-Tóquio, Igualidade-Liberdade-Fraternidade.

Dica pra lá de útil: o tamanho do travessão (—) corresponde ao de dois hifens (-).

Trema

O trema sumiu. Nenhuma palavra portuguesa exibe os dois tracinhos. Agora tranquilo, frequente, quinquênio, linguística & cia. se escrevem desse jeitinho. (Palavras estrangeiras conservam o trema: Müller.)

Atenção, muita atenção. A pronúncia se mantém. Na dúvida, o dicionário diz se o u deve ou não ser pronunciado.