“Daqui não saio, daqui ninguém me tira”, canta o ministro do Trabalho. Mas denúncias de corrupção não param de chegar. Favorecimentos, cobrança de propinas & cia. pouco ética perseguem Sua Excelência. As más e as boas línguas dizem que a demissão virá mais dia, menos dia. “Duvido que a presidente me tire. Só saio abatido à bala”, desafiou a criatura atrevida.
Os jornais não deixaram por menos. “Lupi diz que só sai à bala”, escreveram as manchetes. Ops! Leitores ficaram com o pé atrás. “À bala com o acentinho da crase? Por quê?” A reação procede. Trata-se de jeitinho linguístico que aprendeu a lição do jeitinho brasileiro. Vamos ao passo da aprendizagem.
Caminho normal
A crase indica o casamento de dois aa. Em geral, preposição a + artigo a: Dirigiu-se à loja.
O primeiro a é exigido pelo verbo dirigir-se (quem se dirige se dirige a algum lugar). O segundo é o artigo pedido pelo substantivo loja (a loja). Pronto: a + a = à.
Na dúvida, basta substituir o substantivo feminino pelo masculino. Se na troca aparecer ao, sinal de crase. Se não, nada feito: Foi à loja. (Foi ao supermercado.) Refere-se a criaturas amigas. (Refere-se a seres amigos).
Falsa crase
O troca-troca na frase do ministro dá nó nos miolos: sair abatido à bala (sair abatido a tiro). E daí? Eis a malandragem. Nem sempre o acento resulta de crase (a + a). Às vezes, por questão de clareza, apela-se para a falsa crase. Usa-se à mesmo sem a contração dos dois aa. Vender à vista, por exemplo. Aí, não há crase. Quer ver? Vamos ao masculino: vender a prazo.
Para que o à? Para evitar mal-entendidos. Sem o acento, poder-se-ia entender que se quer vender a vista (o olho). O mesmo ocorre com bater à máquina. Sem a crase, parece que se deu pancada na máquina. Não é bem isso, convenhamos.
A vez do jeitinho
Em que casos o duplo sentido ocorre? Geralmente nas locuções que indicam meio e instrumento: Matou-o à bala. Feriram-se à faca. Está à venda. Escrever à tinta. Feito à mão. Enxotar à pedrada. Fechar à chave. Matar o inimigo à fome. Entrar à força. Andar à toa na vida.
O acento é obrigatório? Ou só se deve recorrer a ele em caso de ambiguidade? Sem risco de duas interpretações, fica a gosto do freguês. Mas há forte preferência pela falsa crase. Use-a (com palavra feminina, claro). Você acertará sempre.