Vamos conversar com a STEPHANIE LOCIKS DE PAULA, nascida em Telêmaco Borba – Paraná, veio para Brasília com 8 anos. Designer de moda e artista plástica, apaixonada por música clássica e pintura, é a criadora de vários rótulos para vinhos.
– Fale um pouco da sua vivência nas artes plásticas.
Eu desenho desde os cinco anos. Nunca tive uma formação formal em artes plásticas, me formei em Design de Moda — meu aprendizado sempre foi olhar, escutar e sentir. O traço sai no tempo dele, como uma resposta espontânea ao mundo à minha volta. É um processo muito vivo, guiado pela intuição, pelo som, pela cor, pela “impressão”. O que me move é essa impressão que o mundo deixa em mim. E o que eu ilustro nasce desse impacto direto, quase sem filtro, como se fosse uma tradução imediata de uma experiência sensorial.
Uma das experiências mais marcantes da minha trajetória foi o projeto com a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, em Brasília. Eu cresci assistindo aos concertos, e aquele ambiente sempre foi um lugar de encantamento para mim. Anos depois, voltei ali como artista — e tudo mudou de perspectiva. Durante os concertos, me sentava no escuro com um bloco de 250 páginas e um lápis, desenhando ao vivo o que acontecia diante dos meus olhos — os músicos, os instrumentos, os movimentos.
Eu não usava fotografias, nem referências externas. Era tudo feito na hora, num processo quase de improviso, como se eu estivesse tocando junto com eles. Minha mão respondia ao som com o traço. Às vezes fazia quatro desenhos por noite, às vezes vinte.
A exposição que nasceu disso — Sinestesia: cores e sons respondem um ao outro — foi uma tentativa de materializar sensações que me habitam desde criança. As cores que vejo quando ouço certos compositores, a atmosfera emocional dos concertos, tudo isso ganhou forma em aquarelas e estampas. Mais do que ilustrar, eu queria dar uma “cara de casa” à orquestra, que naquele momento estava sem palco fixo. Foi meu jeito de agradecer por tudo o que recebi ali.
– Como foi que aconteceu esta conexão com o mundo do vinho?
A conexão com o mundo do vinho aconteceu de forma muito orgânica — Sempre apreciei o vinho não só como bebida, mas como uma arte particular. Um elemento que ativa todos os cinco sentidos: o som do líquido sendo servido, os aromas que despertam memórias, o toque do copo, o sabor que muda com o tempo e, claro, a beleza da cor.
Ele sempre me fascinou por isso — por ser uma experiência completa, quase como uma pintura que se dissolve na boca. Quando comecei a trabalhar com aquarelas, percebi que havia uma semelhança forte entre o que escorre no papel e o que escorre na taça: a fluidez, as manchas, os acidentes belos que não se controlam. Era como se o vinho já estivesse ali, no meu processo criativo, antes mesmo do convite surgir. Marca de vinho no papel Aquarelas orgânicas.
Então, quando fui chamada para ilustrar rótulos inspirados na música brasileira, foi como se tudo se encaixasse. A aquarela já vinha antes do traço — como o vinho que vem antes da conversa — e os traços, como a música, vinham depois, para dar ritmo e forma.
Desde então, entendi que o vinho, assim como a arte, é sobre presença. Sobre o agora. E isso mudou completamente minha forma de criar. Sempre que me chamam para ilustrar um rótulo, eu busco compreender a ideia por trás daquela criação. Quero saber o que inspirou o vinho, que sabores ele carrega, qual atmosfera ele quer evocar. Às vezes provo, outras vezes escuto — porque toda garrafa tem uma intenção, uma história, e meu papel é dar forma visual a isso. Não se trata apenas de ilustrar um sabor, mas de traduzir uma experiência.
– Tenho a impressão que você gostaria de ter vivido na década de 60. Seus figurinos, as músicas que acompanham suas publicações, discos de vinil. É isso mesmo?
Com certeza. A década de 60 me habita — não só como referência estética, mas como um sentimento. Amo tudo nesse período: a música, os vestidos, as cores vibrantes, as estampas ousadas, e principalmente o espírito livre e experimental que atravessava a arte, a moda, a arquitetura e o pensamento.
E talvez isso também explique meu amor por Brasília — a cidade onde vivi a maior parte da minha vida, e que nasceu nos anos 60. Ela carrega no concreto o mesmo idealismo dessa década: linhas limpas, horizontes abertos, formas futuristas e ao mesmo tempo profundamente poéticas. Brasília é uma espécie de aquarela modernista que virou cidade. E eu cresci vendo beleza nisso.
Tenho verdadeira paixão pelo vinil, por esse universo analógico. Escutar um disco é quase um ritual de presença: escolher o álbum, levantar a agulha, ouvir o chiado antes da melodia. É como se o tempo voltasse a ter peso e textura. Me conecto com isso.
Os anos 60 me influenciam não como nostalgia, mas como linguagem viva. Muitos dos figurinos que uso no dia a dia (a maioria de brechós), as músicas que acompanham minhas publicações, e até as paletas das minhas aquarelas carregam esse DNA visual e sonoro. Essa década respirava um impulso de reinvenção. Havia algo de doce e radical na forma como se criava — e na fé inabalável de que a arte podia redesenhar o mundo. Ainda acredito nisso.
– Mais uma inveja minha, como treinou tão bem os seus cachorros? Os meus tocam o terror!
Criei um canal para ajudar as pessoas com seus cães, principalmente a criação de cães grandes em espaços urbanos. O canal WOLFCLAN surgiu exatamente dessa necessidade: criar um Pastor Alemão em apartamento e não encontrar quase nenhuma informação real, prática e afetuosa sobre isso.
Antes disso, eu trabalhei um bom tempo em um hotel para cães — o que me ajudou muito a observar o comportamento dos animais, as dinâmicas de matilha, as reações, os gatilhos… Enfim, tudo que não se aprende em manual.
Assim como aprendi a ilustrar, foi na observação e na prática que comecei a treinar meus cães. Li livros, vi vídeos, testei métodos, errei, acertei, e fui adaptando ao nosso ritmo de vida. Hoje, através do canal, a gente compartilha isso com quem também quer viver grandes histórias com um cão — mesmo dentro da cidade
Meus cães são parte essencial do meu processo criativo. A convivência com eles inspira não só minhas ilustrações, mas também pequenas tirinhas que publico nas redes sociais, onde transformo comportamentos e expressões do dia a dia em cenas poéticas, cômicas ou emocionantes. Eles me ajudam a olhar o cotidiano com mais sensibilidade — e humor. Além disso, recebo encomendas para ilustrar pessoas e seus cães, um jeito especial de eternizar esse amor canino e celebrar a conexão única entre eles.
(9) Instagram – /st.depaula/