QUAL É A SUA HISTÓRIA SOBRE A COMIDA AFETIVA?
Qual é a sua história sobre comida afetiva? Aqueles pratos da sua infância que vinham da cozinha da sua mãe ou da sua avó. Pratos que são mais do que simples alimentos, que representam gestos de carinho, envolvem emoções, memórias e trazem um senso de pertencimento.
Qual é a sua “Madeleine de Proust”? Aquele sabor ou cheiro que o transporta para o passado, evocando memórias profundas e, muitas vezes, inesperadas.
A Soraya
Meu marido David e eu somos, desde 2013, pesquisadores da Universidade da Geórgia, EUA. Antes eu era funcionária da Embrapa, e sempre trabalhamos com amendoim.
Certa época o David foi participar da banca de doutorado de um rapaz chamado Daniel Fonseca, que era do Senegal e que fazia doutorado na Universidade de Montpellier na França, onde nós tínhamos uma colaboração. Na época ele era um menino, um pivete fazendo doutorado, com um trabalho entre o seu país e a Universidade.
Nós passamos a ter um contato bem próximo e vimos o seu crescimento como pessoa e como profissional. Hoje ele é um dos maiores geneticistas da África, sendo super conhecido e respeitado. E continuamos com a nossa colaboração.
Em 2019, em uma das vezes que fomos visitar o Senegal, para acompanhar o programa de pesquisa do Daniel, nós conhecemos um rapaz, seu aluno de doutorado, chamado Alyr Mounirou.
Uma pausa: você sabe onde fica Comores? Não? Bem, nós também não sabíamos até conhecermos o Alyr. Comores é um país da África, formado por diversas ilhas, que fica na direção do norte de Moçambique.
Tanto no Senegal como em Comores se fala francês, e o inglês do Alyr era bem assim devagar, mas a gente conseguiu se comunicar e foi o suficiente para percebermos que ele era um menino muito dedicado e bem inteligente. O convidamos para que, quando concluísse seu doutorado, viesse trabalhar com a gente aqui na Geórgia. E ele veio no final de 2022.
Ele chegou todo na dele, e a gente sabia que ele era noivo e que iria voltar a Comores para se casar. Aí ele enrolou e demorou e não casava. Até que anunciou que estava voltando ao seu país para se casar, não mais com a noiva, mas com a Nadina, que só conhecia por mensagens.
Chegamos agora à festa de aposentadoria de um colega, que foi realizada na minha casa. Naquele estilo que cada convidado colabora com um prato. Eu fiz um sopão de abóbora, que modéstia à parte ficou muito bom!
Aí, de repente, chega a Nadine, que só fala francês. Eu falo, sei lá, umas 10 palavras em francês e ela umas três em inglês. Agora imagina, ela trouxe nada mais, nada menos, do que um pudim! Um pudim!
Eu olhei para aquele negócio, e sem acreditar, falei – nossa o que que é isso? O Alyr, marido dela, começou a explicar – é um doce feito com ovos, leite, açúcar … O interrompi – eu sei exatamente o que que é isso! E, na mesma hora, na cara de pau, nem esperei servir, peguei um pedacinho e experimentei. Gente! Esse é o pudim da minha mãe! É o que ela fazia! Eu não acreditei, fiquei louca! Aí ele disse que o nome era flan. Aqui nos Estados Unidos até que fazem um pudim mais ou menos, mas falam que é um crème brûlée, sem a partezinha do caramelo de cima, ou um flan francês. Mas aquele era um pudim brasileiro.
Então, quando a Nadine chegou aqui com o pudim, que era o pudim que a minha mãe fazia, aconteceu um encontro afetivo entre o Brasil e Comores, América do Sul e África, proporcionado por esse pudim maravilhoso que tinha o gosto da minha infância.
Nesta mesma noite, uma aluna de doutorado, que é do Quênia, veio me pedir a receita da minha sopa de abóbora, disse que era igual à que sua mãe fazia quando ela era criança. Olha só! Dois encontros do Brasil e da África, Comores e Quênia, através da gastronomia. É muito interessante o quanto de influência as nossas comidas tem destes povos de lá da África e o tanto que temos de parecidos.
RECEITA DO SOPÃO DE ABÓBORA
INGREDIENTES:
– abóbora
– azeite
– mel ou calda de açúcar queimado
– sal
– cebola
– alho
– caldo de galinha
– pimenta do reino
– curry
MODO DE PREPARO
- Corte a abóbora em pedaços ainda com a casca
- passe azeite e mel ou uma calda de açúcar queimado
- sal a gosto
- coloque em um tabuleiro com cebola e alho e leve ao forno
- retire do forno quando tudo estiver cozido e meio tostadinho
- Espere amornar um pouco
- retire a casca da abóbora
- despeje tudo no liquidificador
- acrescente o caldo de galinha
- acrescente curry, pimenta do reino e corrija o sal
- bata até virar um creme
- Sirva quente
DICA DO SOMMELIER: Nesta receita vou me guiar pela doçura da abóbora e do mel, e também pelas especiarias, pimenta do reino e curry. Nos brancos optaria por um Riesling ou um Gewürztraminer, nos tintos um Syrah, que tem um toque de especiaria. Uma opção bem interessante seria um Jerez Amontillado, por sua acidez e pelas notas de nozes, caramelo e o seu toque oxidativo.