EXPECTATIVA X REALIDADE: A DISSONÂNCIA COGNITIVA NO UNIVERSO DOS VINHOS
Sabe quando um consumidor compra um vinho com uma certa fama, de boa origem e paga um preço alto, mas quando vai degustar, descobre que a qualidade percebida não corresponde ao valor pago. É lógico que fica chateado, pois sua expectativa era que o vinho sendo caro, famoso e de uma DOC tinha de ser superior e não ruim como se apresentou.
Neste momento suas crenças sobre o seu conhecimento sobre o vinho entram em contradição, gerando uma certa inquietação. Como fazer para continuar mantendo suas crenças e valores? Como sair desta situação que pode lhe gerar também culpa, vergonha ou até ansiedade? Resta apelar para a dissonância cognitiva, com o ajuste de suas crenças, comportamentos, expectativas, ou seja, arranjar uma justificativa qualquer que lhe seja confortável.
A dissonância cognitiva é um conceito da psicologia que descreve o desconforto mental, a resposta natural do cérebro, quando há um conflito interno para mantermos simultaneamente duas ou mais crenças, valores ou atitudes que estão em contradição entre si, nos levando a procurar desculpas que justifiquem as decisões que contrariam nossas próprias crenças e valores.
A relação entre dissonância cognitiva e o consumo de vinho pode surgir em qualquer dos diversos momentos do processo de escolha, compra ou apreciação do vinho.
O nosso consumidor acima, para reduzir e eliminar a dissonância que o está chateando pode justificar a compra dizendo:
- “É um vinho sofisticado, portanto deve ser bom. Talvez meu paladar ainda não esteja ainda treinado o suficiente.”
- “Estou pagando pela exclusividade ou pela marca.”
- “O problema deve ser apenas desta garrafa.”
Outro consumidor é daqueles que garante que só os vinhos do Velho Mundo são bons, mas aí degusta às cegas um vinho brasileiro e adora. Sua saída é dizer que era igualzinho a um francês que conhecia, sim, já tinha ouvido falar que vinhos nacionais estão melhorando e, é logico, que apoia os produtos locais.
O consumidor fitness que vive postando nos grupos dos amigos que o álcool é prejudicial para a saúde, quando confrontado por estar com uma taça cheia nas mãos, rapidamente ajusta suas crenças e valores e apela para outra pesquisa, “Vinho tinto faz bem para o coração. Tem resveratrol, é praticamente um suplemento antioxidante! E eu consumo com moderação”.
Mas, novamente o marketing vem para nos salvar, oferecendo estratégias para reduzir a dissonância cognitiva do consumidor de vinho após a compra. Garrafas e rótulos bonitos, histórias familiares emocionantes, garantia de autenticidade relatando práticas artesanais ou que é 100% natural.
Para não pensarmos que o eventual erro na escolha foi só nosso, também temos o apoio da validação externa, reforçando a nossa percepção de qualidade, trazida pelos prêmios, pontuações, publicidades e comentários de especialistas.
E aquele aplicativo tão controverso? Aquele que dá notinhas aos vinhos. Quem “entende” de vinho não pode gostar dele (alerta de ironia). Mas tem milhões de usuários. Junto com outros aplicativos de vinho, sites especializados ou nas nossas mídias sociais, a busca pelo compartilhamento das experiências é uma forma de contornar a dissonância, justificando as opções em busca de uma validação social para suas escolhas.
Para evitar este desconforto mental alguns consumidores mantém uma fidelidade e lealdade a alguns poucos rótulos já conhecidos e testados, nunca se afastando da sua zona de conforto, mesmo diante de opções que lhe são apresentadas como melhores.
DICA DO SOMMELIER: ao contrário de outros tipos de relacionamentos, no vinho a fidelidade não é estimulada ou esperada.
Assim, na experiência de consumo do vinho, a dissonância pode acontecer tanto no momento da escolha quanto durante sua degustação. O caminho para ajudar a diminuir esta possibilidade e reduzir desconfortos passa por um maior conhecimento sobre a bebida por parte do consumidor e por um marketing comercial mais assertivo, esta soma de fatores alinhará as expectativas e permitirá experiências mais satisfatórias.