QUAL É A SUA HISTÓRIA SOBRE A COMIDA AFETIVA? IX – responde Neuza Venancio Mignot

Publicado em comidas afetivas

Qual é a sua história sobre comida afetiva? Aqueles pratos da sua infância que vinham da cozinha da sua mãe ou da sua avó. Pratos que são mais do que simples alimentos, que representam gestos de carinho, envolvem emoções, memórias e trazem um senso de pertencimento.

Qual é a sua “Madeleine de Proust”? Aquele sabor ou cheiro que o transporta para o passado, evocando memórias profundas e, muitas vezes, inesperadas.

Sede da Fazenda de São Pedro – Goiaba

Neuza Venancio Mignot, professora, decoradora e empresária da moda, mora em Campos dos Goytacazes-RJ, hoje está com 93 anos e trabalhou, com muito orgulho e prazer, até os 88 de idade. É minha tia querida, irmã da minha mãe.

 

“Nas décadas de 1930/1940, perto de Tocos-RJ, na Fazenda de São Pedro, que a família conhece como Goiaba, onde meus pais se casaram e nasceram 6 dos 9 filhos, levantávamos às 6h e tomávamos o café da manhã.  Entre as 9 e 10 horas, era o lanche, e mamãe fazia solda de pão ou papa de milho, mas não era o momento para comer muito.

Tenho saudades da solda de pão. Já tentei fazer, mas não tenho certeza se deu certo ou não. Perguntei para minha irmã Nair, mas ela também não se lembrava da receita. Mas recordo que é feita com leite, pão dormido e aí coloca açúcar e canela, cozinha até ficar no ponto entre uma sopa e um mingau.

Depois almoçávamos entre 11h e meio-dia. A comida não mudava, era arroz, feijão e carne. Quando perguntávamos, “mamãe qual é a sobremesa hoje do almoço?”, ela sempre respondia, “Pomar! No pomar tem muita fruta e cada um vai lá e pode escolher o que quiser”.

Às 15h era o café da tarde, mamãe botava a mesa com bolo ou rosquinhas da Padaria São José, que era do meu tio Filhinho. Depois, já morando na cidade, mamãe comprava 200 rosquinhas e meu irmão Francisco e seus amigos apostavam quem, jogando as rosquinhas para cima, conseguiria pegar na boca a maior quantidade.

Quando chegava a noite tinha sempre uma sopa. Papai não gostava de filé mignon achava muito mole, então nunca comíamos. Só fui conhecer filé mignon depois de casada. Sua carne preferida  era o chã de dentro (coxão mole), fazia um rosbife grande, botava uma farofa ou farinha e comia isso em todos jantares.

Às nove da noite, quem quisesse podia fazer um lanchinho, mas era difícil, porque todo mundo gostava de dormir cedo. Ninguém passava mal e não tinha este negócio de fazer muita digestão. É assim que a gente vivia muito feliz porque tinha aquela mãe que gostava muito de fazer as coisas.

A papa de milho dela era diferente, nunca talhou. Uma vez na praia de Atafona, mamãe e a irmã, tia Mariquita, ficaram fazendo uma papa de milho muito doce, cada uma com a sua panela. Minha tia perguntou para mamãe, “como você faz a papa de milho?”.  “Eu coloco o milho na água, e só quando está fervendo é que boto o leite e os ingredientes”. Minha tia disse que não era assim e que tinha de colocar tudo de uma vez no leite, para ferver junto. Resultado, a papa da tia talhou e a da mamãe ficou uma maravilha!

Então são recordações muito grandes que eu tenho destas coisas. Também tenho saudade do farte, biscoito feito pela minha avó materna, vovó Totonha, que ela sabia fazer perfeitamente. Papai adorava o farte, na época em que já morávamos na cidade, quando ele vinha da roça passava na casa da sogra para buscar alguns. Uma vez ele pediu para uma funcionária fazer o farte, e ele ficou tão duro que matou o cachorro Veludo que comeu um. Então ele nunca mais quis que ninguém fizesse, só vovó.

O farte é um doce feito com banha de porco, açúcar grosso, farinha de pau (mandioca) e um toque de pimenta do reino. Cozinha até ficar uma calda grossa. Aí coloca num tabuleiro no forno brando, quando estiver bom, espera esfriar, corta em tiras, enrola e corta em biscoitos. É uma receita portuguesa que se perdeu na família, tentei fazer diversas vezes, mas nunca deu certo.

Quando nós éramos estudantes, já morando na cidade de Campos dos Goytacazes-RJ, mamãe fazia assim com o almoço de quem estudava de manhã, ela já servia o prato, e tampava com um prato por cima e colocava na estufa do fogão de lenha. Assim quando a gente chegasse estava morninho, não tinha esse negócio de precisar esquentar porque o fogão de lenha ainda estava meio quentinho.

Outra coisa que eu tenho recordação é das caldeiras do fogão de lenha, eram como se fossem um bueiro para cozinhar, ficavam sempre cheias de água e tampadas. Serviam tanto para cozinhar como para tomar o banho a cavalo com água quente, na Goiaba não tinha chuveiro.

Na época das romãs, vovó Totonha mandava o Velho João, empregado da padaria São José, que era do seu filho, me avisar que as romãs já estavam maduras para eu poder aproveitar. Eu ia muito na casa de vovó, porque além das coisas muito gostosas que ela fazia, conversávamos muito sobre diversos assuntos. O pomar e a horta da casa dela eram tão grandes que papai chamava o local de Horto Florestal.

A comida afetiva é mais do que um alimento; é um gesto de carinho e uma forma de criar conexões com o passado e com quem amamos.”

Receita Tradicional de Biscoito Farte

Ingredientes

  • 1 kg de polvilho doce
  • 2 ovos
  • 2 colheres de sopa de banha de porco (ou manteiga, dependendo da região)
  • 1 xícara de açúcar
  • 1 pitada de sal
  • Leite ou água morna, o suficiente para dar ponto à massa

Modo de Preparo

  1. Preparar a massa:
    • Em uma tigela grande, misture o polvilho com o açúcar e o sal.
    • Acrescente a banha de porco e os ovos, misturando bem com as mãos ou uma colher de pau.
    • Adicione o leite ou água morna aos poucos, até obter uma massa lisa e moldável.
  2. Modelar os biscoitos:
    • Modele os biscoitos no formato tradicional (argolas, bastões ou bolinhas) à mão.
    • Essa etapa costuma ser feita em conjunto nas fazendas, como uma atividade familiar ou comunitária.
  3. Assar:
    • Coloque os biscoitos em uma assadeira untada ou forrada com folha de bananeira, como era feito tradicionalmente.
    • Leve ao forno de barro ou ao forno convencional preaquecido a 180°C.
    • Asse até que os biscoitos fiquem firmes e levemente dourados na parte inferior (cerca de 15 a 25 minutos, dependendo do forno).
  4. Servir:
    • Deixe esfriar antes de guardar em potes.

DICA DO SOMMELIER: harmonize com café coado no coador de pano ou com leite fresco das fazendas.

 

2 thoughts on “QUAL É A SUA HISTÓRIA SOBRE A COMIDA AFETIVA? IX – responde Neuza Venancio Mignot

  1. Com muito carinho, quero compartilhar o quanto estou encantada ao mergulhar nas histórias que envolvem as comidas afetivas. Cada prato traz consigo uma memória, um pedaço de história que não podemos deixar desaparecer. Essas tradições são tesouros que precisam ser preservados e valorizados.

    D. Neuza Venâncio, minha eterna gratidão por generosamente nos presentear com essas riquezas. O seu carinho e cuidado ao compartilhar essas lembranças tocaram profundamente meu coração.

    Com todo meu amor e gratidão, muito obrigada!

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