Qual é a sua história sobre comida afetiva? Aqueles pratos da sua infância que vinham da cozinha da sua mãe ou da sua avó. Pratos que são mais do que simples alimentos, que representam gestos de carinho, envolvem emoções, memórias e trazem um senso de pertencimento.
Qual é a sua “Madeleine de Proust”? Aquele sabor ou cheiro que o transporta para o passado, evocando memórias profundas e, muitas vezes, inesperadas.
Lorena F. C. Gonçalves, proprietária da Vinícola Lorangi, é Socióloga e Enóloga de vinho âmbar (laranja).
“Assim como degustar um vinho é “prová-lo com atenção”, a memória afetiva da comida significa despertar os cinco sentidos pela experiência de comer com atenção algo que foi oferecido com amor e cuidado.
Há quatro personagens marcantes em minha memória afetiva alimentar: minha mãe, Diones, meu pai, Horion, meus avós paternos, Teresinha e Emanuel, e meu marido georgiano, Gocha Bikashvili. Cada um se apresenta na memória com formas, cores, calor, texturas e sabores diferentes.
Minha mãe é a rainha dos bolos e quitutes goianos, com cheiro do forno assando bolo de fubá nas manhãs de sábado em formas grandes; com calda de leite nos bolos de coco ou mandioca esbranquiçados e bebidas saborizadas de abacate, morangos e banana, feitas com leite de soja da casa; minha mãe Diones fazia o nosso leite de soja fresca peneirando com todo cuidado e carinho em suas mãos. O bagaço da soja era sempre utilizado para fazer mais bolos com texturas fibrosas e ricas. Tudo com minha mãe é abundante!
Meu pai Horion é o homem dos petiscos, fazedor de hambúrguer artesanal, ele amava a arte da charcutaria, para harmonizar com cervejas e drinks diversos. Me lembro do movimento dos seus braços grelhando hambúrguer na grelha elétrica de sanduíches (kkkk) e o preparo de molhos de tomates para acompanhar, com um cheiro de grelha agridoce ferrosa!
Meus avós paternos eram fazendeiros… ah! Quanta memória dos processos de produzir e elaborar os alimentos na fazenda, quando eu ia passar as férias escolares com eles, invariavelmente. Colher leite fresco e quentinho direto das tetas da vaca em ordenha, eu tinha minha caneca de ferro para isso. Colher e assar as espigas de milho na fogueira que Emanuel, meu avô, acendia; comer paçoca de carne que ele socava no pilão de barro vagarosamente. Comer queijo minas feito na “casa de queijo” de minha avó Teresa, depois do queijo já “curado”. E ainda tinha pão de queijo fresquinho de manhã, ela gritava “SAINDO DO FORNO!”. Fazer farinha de mandioca fresca para tapioca do lanche da tarde, preparada na grande chapa de ferro da “casa de farinha” do lugar. Me enche os olhos de emoção ao escrevê-lo!
Por fim, o senhor Georgiano, Gocha Bikashvili. Gocha é muito apaixonada pela gastronomia e vinhos georgianos e me dava longas aulas das receitas que “levaram séculos ou até milênios” para serem criadas na combinação perfeita, e por isso devem ser respeitadas e inalteradas! Carnes com gostos mais puros, a precisão e a pureza são regras de ouro, pontos de cocção exatos e molho com nozes, finalizados com romã! Ele levava dias preparando um peixe curtido no sal, que deveria ser degustado com uma boa cerveja gelada, pois era a harmonização perfeita e tinha “ômega 3”. Perfeito depois de um dia duro de trabalho! Eu podia ver a mãe e a avó dele em suas mãos quando ele queria me mostrar um prato feito do jeito Georgiano precioso que ele provou em sua infância.”
One thought on “QUAL É A SUA HISTÓRIA SOBRE A COMIDA AFETIVA? – VIII – responde Lorena Gonçalves”
Ah, que leveza essa imersão na história e na comida afetiva da querida Lorena. Sou imensamente grata a ela por compartilhar sua alma através da culinária. Nosso encontro, através da gastronomia raiz, foi um presente que guardo com muito carinho.