QUAL É A SUA HISTÓRIA SOBRE A COMIDA AFETIVA? – V – responde Lucianna Sevegnani

Publicado em comidas afetivas

Qual é a sua história sobre comida afetiva? Aqueles pratos da sua infância que vinham da cozinha da sua mãe ou da sua avó. Pratos que são mais do que simples alimentos, que representam gestos de carinho, envolvem emoções, memórias e trazem um senso de pertencimento.

Qual é a sua “Madeleine de Proust”? Aquele sabor ou cheiro que o transporta para o passado, evocando memórias profundas e, muitas vezes, inesperadas.

A enófila Lucianna Sevegnani recorda que sua memória afetiva veio das lembranças que seu pai guardava da infância dele.

“Oi Sérgio! Segue minha lembrança de comida afetiva. Agradeço pela oportunidade de escrever sobre algo tão significativo para mim, ainda mais nesta época de final de ano.

Comida afetiva… lembranças de uma época boa demais para esquecer.

Quando meu pai decidiu mudar do apartamento para morar em uma casa, no primeiro momento foi assustador, eu tinha 12 anos de idade e nunca havia morado em uma casa antes. Ele nos levou para um bairro que todos achavam um verdadeiro absurdo pela distância (hoje é muito próximo ao centro), mas o que ele não sabia é que iria criar memórias inesquecíveis naquele lugar.

Aos finais de semana minha família se reunia para comer, beber e conversar, como dizíamos “era uma farra boa”. A parte mais amada da casa era a cozinha, claro! A enorme mesa de madeira de 16 lugares que meu pai mandou fazer ficava bem no centro da cozinha e ninguém ousaria falar nada para mover ela de lá, pois ele também guardava memórias da infância dele com a família reunida na cozinha, família essa que já não existia mais, apenas ele havia sobrado e mesmo assim ele insistia em construir tudo grande e espaçoso para abrigar a família por parte da minha mãe e amigos do trabalho que se tornaram a nossa família e abrilhantavam inúmeros churrascos.

Várias comidas inesquecíveis saíam daquela cozinha, entre tortas doces e salgadas, bolos de aniversário, salgados em geral e o tradicional arroz om feijão, mas havia uma que sempre contava com a colaboração de todos principalmente de minha mãe e minha tia Marlene: o famoso Cozido, um prato que para mim simboliza o verdadeiro significado de família.

O preparo do cozido era árduo e se iniciava no dia anterior pelas carnes bovinas, lombo e costelinha de porco e as linguiças portuguesa, paio e calabresa, todos preparados delicadamente para não se despedaçarem em meio ao que estava por vir. No dia seguinte minha mãe descia as escadas com um carretel de linha grossa para começar seu trabalho que era o de enlaçar os rolinhos de couve e repolho.

As panelas enormes competiam pelo espaço num fogão de 6 bocas, num calor absurdo e todo mundo rindo e discutindo o jeito particular de cortar um determinado legume.  Cada um tinha a sua participação, pois eram muitos ingredientes: rodelas de milho, batata doce, cenoura, abóbora, chuchu, mandioca e feijão branco. Dali ainda era feito um pirão para dar um toque final ao prato. Uma infinidade de ingredientes que ao se misturarem resultavam numa explosão de sabores entre salgado, doce e defumado.

Meu tio era descendente de portugueses então era imprescindível um bom vinho para acompanhar o prato e sempre regava tudo com um bom azeite. Nós ficávamos horas ali comendo, rindo e conversando.

Ainda procuro um bom restaurante para comer cozido que é bem difícil de encontrar, dadas as minhas altas exigências pela lembrança daquele sabor e as pessoas ao redor que marcaram a minha vida para sempre, mas esse é o verdadeiro intuito da comida afetiva: marcar momentos que na hora não percebemos a grandiosidade do que eles se tornarão no futuro, por isso cada um deles é tão especial.”

 

SUGESTÃO DO SOMMELIER: Vou focar no Cozido Português, e aqui podemos pensar em diversos aspectos que temos de considerar para uma boa harmonização. Primeiro a relação entre o peso do prato com a intensidade do vinho. O Cozido é um prato pesado, rico de sabores, pede um vinho mais encorpado. Que também precisará de uma boa acidez para equilibrar as gorduras presentes nas diversas carnes e embutidos.

Podemos acrescentar uma harmonização regional, com um vinho português, em homenagem à origem do prato e à ascendência dos parentes da Lucianna.

Sendo assim sugiro tintos do Douro, Alentejo ou Dão, com estrutura de corpo médio para cima, que apresentem boa acidez e taninos de macios para marcantes.

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