Qual é a sua história sobre comida afetiva? Aqueles pratos da sua infância que vinham da cozinha da sua mãe ou da sua avó. Pratos que são mais do que simples alimentos, que representam gestos de carinho, envolvem emoções, memórias e trazem um senso de pertencimento.
Qual é a sua “Madeleine de Proust”? Aquele sabor ou cheiro que o transporta para o passado, evocando memórias profundas e, muitas vezes, inesperadas.
A Clotilde, minha amiga Clô, é Musicoterapeuta Neurológica, e aqui compartilha uma delicada e deliciosa lembrança.
“Olha, Sérgio, é difícil eleger uma única comida afetiva em particular, porque são muitos os momentos importantes que foram marcados pela comida. Quando li sua mensagem, imediatamente me remeti aqui para algumas coisas.
Primeiro, a casa da minha tia Clarice, irmã do meu pai. Ela tinha um buffet enorme em casa, com cerca de 15 pessoas para ajudá-la. Todos os anos, no Natal e no Ano Novo, a família se reunia na casa dela para ajudá-la com as encomendas, que eram algo surreal: cerca de 3.000 salgados, 80 tortas e 50 jantares. Era uma verdadeira loucura aquele preparo de comida, com aquela mistura incrível de odores e sabores. Nós íamos beliscando o creme de bacalhau, a cascata de camarão, o peru, o filé… enfim, tantas delícias que ela fazia.
Mas tudo isso acontecia cercado por uma atmosfera muito especial. Minha tia colecionava bonecos de Papai Noel, que foi reunindo ao longo da vida, chegando a ter cerca de 5.000 peças diferentes! Ela decorava as duas salas de sua casa, o terraço e o jardim com esses Papais Noéis de todos os tipos e tamanhos. Tinha Papai Noel que cantava, outro que tocava saxofone, Papai Noel que andava de bicicleta, que roncava, que subia escada, Papai Noel de não sei o quê… Era uma infinidade!
Aquilo se transformava em um verdadeiro Natal de Luz, que atraía visitas de crianças e escolas públicas de João Pessoa-PB. Todo ano, ela abria a casa para receber essas visitas. Inclusive, sua coleção chegou a ser reportagem do Fantástico!
Essas memórias das comidas da tia Clarice são inesquecíveis. Todo Natal e Ano Novo, eu me lembro dela, da casa cheia de alegria e da correria para preparar tudo. Apesar de todo o cansaço, ela fazia tudo com muito amor. Eu me emociono ao recordar, porque ela preparava o Natal de tantas pessoas e, no dela, acabava passando muito cansada. Mas ela vivia disso, com alegria, e tornava especial o Natal de muitos com as comidas e quitutes maravilhosos que preparava.
Entre tantas delícias, uma comida marcou especialmente minha infância: um bolinho chamado Geraldinho. Eu ainda guardo a receita, mas nunca consegui reproduzir igual. Faltaram o tempero das mãos da tia Clarice, o amor com que ela fazia e, claro, a prática. Então infelizmente não consegui reproduzir.
Era um bolinho com a massa bem molhadinha, coberto por uma camada de açúcar crocante e decorado com miçanguinhas coloridas. Para mim, aquilo era o verdadeiro manjar dos deuses! Ela fazia o Geraldinho em todos os nossos aniversários de infância: no meu, no do meu irmão e dos primos.
Essa memória do Geraldinho é muito especial para mim, mesmo sabendo que nunca mais vou comer algo igual. Quando minha tia Clarice partiu, o buffet se desfez, mas ficou essa doce recordação. Esse bolinho confeitado com miçanguinhas coloridas faz parte do meu passado, da minha infância e das minhas memórias afetivas.”
SUGESTÃO DO SOMMELIER: harmonize o pão Geraldinho com um vinho de sobremesa de Colheita Tardia.