A conta de luz deve subir ainda mais. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) divulgará, no próximo dia 25, o reajuste anual para a Companhia Energética de Brasília (CEB). Será a terceira revisão tarifária nos últimos 12 meses. Com isso, a energia elétrica se transformou em um dos serviços que mais contribuem para acelerar a inflação e pesar no orçamento familiar. De agosto do ano passado a março deste ano, o consumidor viu a fatura aumentar 47,53%, sem contar o acréscimo proveniente da bandeira vermelha — há 17 meses, o alerta mais caro está vigente e deve se manter até 2016, segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS) e especialistas ouvidos pelo Correio.
Para Luciano Duque, mestre em engenharia elétrica do UniCeuB, o reajuste para a CEB deve ser mais alto do que a inflação. “As distribuidoras tinham dívidas com o Tesouro Nacional, mas, em períodos passados, ele bancou a dívida. Com a crise, não bancou mais. Esse é o caso da CEB. Parte dessa dívida deve ser inserida no aumento de tarifas, fora os aumentos no custo de geração”, analisa.
Duque lembra também que o desconto de 18% para o consumidor residencial anunciado pela presidente Dilma Rousseff, em janeiro de 2013, ainda repercute no aumento, pois, sem poder subir os preços e com reservatórios vazios, as concessionárias ficaram endividadas e tiveram de recorrer a empréstimos.
A conta ficou ainda mais salgada com a vigências das bandeiras de consumo, desde janeiro de 2015. No ano passado, o sistema estava em funcionamento, mas sem a cobrança. O sinal vermelho para as regiões Centro-Oeste e Sudeste está acionado desde fevereiro de 2014. Dessa forma, desde a implantação da tarifa, o brasiliense pagou pela geração mais cara. “A tendência é manter a bandeira vermelha porque o custo da geração vai continuar alto. Isso virou a CPMF da energia elétrica. É um dinheiro a mais que o governo acostumou a receber”, analisa Luiz Gonzaga, engenheiro eletricista e proprietário da Comparte Serviços e Participações.
Com menos de dois meses de operação, o sistema de bandeiras sofreu aumento. A vermelha, por exemplo, passou de R$ 3,30 para R$ 5,50. Com base nos dados fornecidos pelo ONS, a Aneel divulga qual a cor vigente. A de agosto, por exemplo, continuará vermelha. Em defesa do sistema, a agência informou que os reajustes tarifários anuais, como o da CEB, podem ser reduzidos por causa das bandeiras porque parte do custo da geração é coberto. A CEB explicou que esse tipo de cobrança não se aplica à iluminação pública.
Dona de um salão de beleza no Guará, Francisca Pereira da Silva, 48 anos, viu a conta do estabelecimento triplicar desde o início do ano. A cabeleireira calcula que a fatura mensal passou de R$ 150 para R$ 485. “E não foi só a conta de luz que aumentou. A indústria repassou esse aumento para os produtos, e os cosméticos estão bem mais caros”, lamenta. Francisca reclama que, nem tirando os aparelhos eletrônicos da tomada, o valor diminui. “Em julho, por causa do frio, parei de usar o ar-condicionado. Como uma manicure estava de férias, não usamos a estufa dela. Mesmo assim, a conta veio com o mesmo preço. Nem se ficar o dia inteiro no escuro, a gente paga menos”, queixa-se.
Reservatórios baixos
Segundo especialistas ouvidos pelo Correio e o apontado na última reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, a geração de energia elétrica no Brasil deve continuar cara por causa do uso das termelétricas. Elas têm elevado o custo da operação, pois usam, geralmente, combustível fóssil, como carvão e diesel. Para efeito de comparação, em 1º de janeiro de 2014, o último mês em que a bandeira apareceu amarela para as regiões Centro-Oeste e Sudeste, o uso de térmicas convencionais correspondia a 13,57%. Em 1º de janeiro deste ano, estava em 26,07%. Na medição de 30 de julho, feita pelo ONS, o índice estava em 19,02%.
Mesmo após o período chuvoso, os reservatórios, principalmente os do Centro-Oeste e do Sudeste, continuam baixos. A medição de 30 de julho, a mais recente disponível pelo ONS, mostrou que o nível está em 37,46%. No início do ano, ele estava em 16%. “E esses reservatórios são os principais do país, onde mais se gera energia. Os reservatórios do Sul estão cheios, mas têm pouco impacto nacional”, detalhou Duque.
Peso no bolso
Todo ano, a CEB indicava uma taxa de reajuste para a Aneel, que, de posse da contabilidade da distribuidora, indicava um valor. Em 2014, por exemplo, a empresa brasiliense pediu um reajuste de 45% e recebeu 18,88%. A partir deste ano, a concessionária não indica mais a porcentagem desejada. É importante lembrar que, em março, a CEB recebeu autorização extraordinária da Aneel para subir mais 24,1%.
Uma década de vigência
A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) foi um tributo brasileiro que vigorou de 1997 a 2007. A última alíquota foi de 0,38% e incidia sobre transações bancárias. A CPMF era destinada especificamente ao custeio da saúde pública, da previdência social e do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.
O que diz a lei
Com a publicação do Decreto nº 8.401/2015, os recursos provenientes da aplicação das bandeiras tarifárias foram destinados a uma conta centralizada. O dinheiro disponível é repassado às distribuidoras, de acordo com os custos da geração, os preços de liquidação no mercado de curto prazo e a cobertura tarifária vigente. Dessa forma, o recurso da conta das bandeiras é rateado entre as concessionárias.
A dona de casa Rosiléa Araújo Silva, 48 anos, sentiu o peso do aumento da conta de energia elétrica em casa. Atualmente, a família com cinco pessoas paga R$ 180 por mês. Antes, no entanto, esse valor não passava de R$ 150. Por isso, a opção foi criar regras para tentar economizar. “Estipulamos um banho por dia, máquina de lavar somente duas vezes por semana — era todo dia — e, agora, temos um dia único para passar roupa”, conta.
A filha de Rosiléa, Gabrielle Araújo, 15 anos, disse que aprendeu a tirar o videogame da tomada para ajudar na economia. Mas a mãe afirma que as ações dão poucos resultados. “O que eu não gosto é que a gente economiza, mas a bandeira não muda. Então, acaba não adiantando muito. Aí, vai ter outro reajuste. Fica complicado”, reclamou.
Na opinião de Carlos Thadeu, gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a escolha do governo federal pelo sistema de bandeiras não privilegiou o esforço individual de economia do cliente, pois a Aneel calcula os adicionais de bandeira e as faixas de acionamento para todo o país a partir de dados informados pelo ONS. “Do ponto de vista do sistema elétrico, esse modelo não traz racionalidade”, criticou.
Em relação aos constantes aumentos no preço da energia elétrica, Thadeu reconhece que todos são legais, e o consumidor não tem o que fazer, a não ser, pagar. “Mas o Idec entende que não é porque é legal que deixa de ser injusto. A Aneel não pode privilegiar só as distribuidoras. É preciso pensar no consumidor”, defendeu.