Sempre que leio sobre violência doméstica, é impossível não lembrar do tempo de consultório, das pacientes que passaram pelo grupo Para sobreviver a um grande amor.
É verdade! O que as mulheres que sofrem violência doméstica passam nada tem a ver com amor. Mas, mesmo sendo óbvio o absurdo que é viver daquele jeito, também é verdade que elas encontram enorme dificuldade para fazer algo que possa acabar com a dor que sentem.
Não é fácil romper o relacionamento, denunciar o companheiro. Essas mulheres se sentem envergonhadas, humilhadas, solitárias, desamparadas. Por isso tentam esconder a própria condição e até justificar as atitudes do agressor, como se justificativa houvesse.
Não há quem não conheça ou não tenha sabido de, pelo menos, uma mulher nessa situação. E não falo só de agressão física, falo também do abuso psicológico, da tortura emocional, muitas vezes difícil de ser percebida como violência.
E quem já tentou ajudar uma dessas mulheres sabe o quanto isso pode ser desanimador. Parece que os esforços são inúteis. O diálogo pode lembrar uma pregação no deserto, totalmente infrutífera. E até o amigo mais empenhado pode acabar desistindo, jogando a toalha.
O que o leigo não sabe é que a grande maioria dessas mulheres sofre de grave depressão. Algumas adoeceram em decorrência dos abusos sofridos no relacionamento. Outras já estavam doentes, resultado das agressões suportadas em outras uniões ou dentro da família de origem. E, pra piorar, tanto umas quanto as outras podem ter uma herança genética que predispõe a essa doença.
Sim! Doença! A depressão é uma doença, consequência de um desequilíbrio bioquímico do cérebro, que prejudica o pensamento, o raciocínio, a forma de ver o mundo, de sentir a realidade. Estar em depressão pode ser comparado a viver cercado por uma neblina que só se adensa.
E como se movimentar bem pela vida, como tomar boas decisões, sem enxergar com clareza o que está em volta, o cenário? Como se proteger se, com as agressões, a depressão vai aumentando, minando as forças, física e mental, incapacitando, paralisando? Como colocar um ponto final no relacionamento, se as tentativas de escape são desastradas e punidas com ameaças e mais brutalidade, o que ainda agrava a depressão?
Não! Diferentemente do que muitos acreditam ou dizem, não é por gostar de sofrer ou por não ter vergonha na cara que uma mulher se envolve numa relação de abuso e se deixa ficar numa das piores prisões que podem existir, aquela em que o carcereiro já fez parte de um sonho de amor.
Ficou mais fácil, pra você que está lendo este texto, entender o que se passa no íntimo de uma mulher que sofre violência doméstica?
Agora imagine que essa mulher, além de viver cercada por uma neblina que só se adensa, tem um companheiro que diz ser um incompreendido; que ela ainda vai agradecer a ele, que só é severo porque ela não está sendo boa esposa ou mãe e ele a quer transformar numa pessoa melhor. Imaginou?
Agora imagine que essa mulher, além de viver cercada por uma neblina que só se adensa, tem um companheiro que ofende e bate, mas depois cai no choro, dizendo que não sabe o que acontece com ele, que perdeu a cabeça, que ela é a vida dele, que está arrependido e jamais fará isso novamente. Imaginou?
Agora imagine que essa mulher, além de viver cercada por uma neblina que só se adensa, ouve do companheiro que a culpa pelas brigas é dela, que está com a cabeça cheia de modernidades que aprende nas novelas e nos papinhos com as amigas feministas mal-amadas; que não entende que homem é diferente de mulher, tem suas necessidades, e que isso é assim desde que o mundo é mundo. Imaginou?
Agora imagine que essa mulher, além de viver cercada por uma neblina que só se adensa, ouve da mãe, da avó, da sogra, de outras pessoas próximas, que casamento é assim mesmo; que elas também passaram por enormes dificuldades e se mantiveram firmes; que ela precisa ser paciente, compreensiva; que o companheiro dela tem esses rompantes, mas é carinhoso com os filhos, não deixa faltar nada em casa; que viver ou criar os filhos sozinha é ainda mais difícil. Imaginou?
Agora imagine que essa mulher, além de viver cercada por uma neblina que só se adensa, ouve de um ou de alguns “religiosos” que casamento é até que a morte os separe; que o que Deus uniu, o homem não pode separar; que o relacionamento difícil deve ser encarado como resgate de carma, do que não se deve tentar fugir. Imaginou?
Não há limite para as loucuras que são ditas! Além de viverem cercadas por uma neblina que só se adensa, muitas mulheres passam por essas lavagens cerebrais, que têm mais efeito por elas estarem em depressão, que se agrava com as lavagens cerebrais. É um ciclo vicioso que se torna cada vez mais forte, mais difícil de se romper.
É a depressão servindo de pano de fundo para as frases feitas, para as maluquices que ninguém sabe nem de onde vieram, mas que a maioria adota como verdade, sem nem parar pra refletir, sem filtrar, sem criticar.
Então, se você conhece uma mulher que está vivendo um relacionamento de abuso, fale com ela sobre tudo isso o que conversamos aqui. Faça-a ver que há uma luz no fim do túnel.
Faça-a buscar ajuda profissional. Ela precisa de acompanhamento psiquiátrico, para prescrição dos remédios que vão tratar a depressão, e de psicoterapia, para entender o problema como um todo e enxergar as saídas.
Ela necessita desses dois acompanhamentos, não de um ou outro. Essa combinação é imprescindível para se dissipar a neblina, para que o sol volte ou comece a brilhar na vida dessa mulher e de quem com ela estiver sofrendo.
Mas, se você perceber que ela e os filhos estão em perigo, denuncie com urgência! Não espere a próxima surra, não espere um homicídio, não espere um suicídio, não espere uma chacina! Não dê espaço para que o pior aconteça!
Qualquer pessoa pode e deve denunciar – um parente, um amigo, um vizinho. E a denúncia pode ser anônima, pelo Disque Denúncia, 180.
Tenho dito e repetido que ficou pra trás o tempo em que bastava que não fizéssemos o mal, que precisamos fazer o bem. Então, faça a sua parte!
Lembre que o mal não teme causar danos, é audacioso, inconsequente, desafiador, o que exige que o bem seja inteligente, corajoso, aguerrido, que estejamos sempre prontos para combater o bom combate!
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42 thoughts on “UMA NEBLINA QUE SÓ SE ADENSA”
postado no FB pelo leitor Leal Kostav: Eu entendo as mulheres agredidas. Entendo, e dói entender.
remetido via WhatsApp pela leitora Mahendra: Arrepiei do início ao fim. Texto tocante e doloroso. “Elas mentem no lugar do agressor. Mentem pelo medo de não ter outra chance de ser feliz.
Dedicam suas horas a zelar por uma farsa, a proteger um conto de fadas que existe na aparência, tentando salvar o casamento a qualquer custo.”. Triste.
remetido via WhatsApp pelo leitor PE: Infelizmente, ainda é uma realidade presente em muitos lares!!
remetido via WhatsApp pela leitora Paciente antiga: Existem outras formas de violência além da física. Agressões que fazem marcas profundas tbm.
Essas são mais difíceis de se enxergar. E também são devastadoras.
remetido pela leitora Simone Miranda: Muito bom!
remetido via WhatsApp pela leitora Dalva Helena: é isso mesmo e pensar q até hoje isso q mais acontece.
remetido via WhatsApp pelo leitor PE: Muito bom o texto!!! Infelizmente, ainda existem muitas famílias sofrendo desse mal. Eu presenciei muita situação de agressão!!
remetido via WhatsApp pela leitora Leitora: Impactante! Dói ler esse texto, pois descreveu a realidade de pessoas próximas a mim e é exatamente isso que descreveu. A gente julga, sente raiva da pessoa por “aceitar” passar por tantos abusos, por “amar” um ser que só a despreza, só a maltrata. A verdade é que não queremos aceitar ver quem amamos sofrer tanto por alguém que não vale a pena, mas infelizmente nós, seja amigo, seja filho, seja irmã… não podemos fazer nada, pois nada que digamos, de “tentarmos abrir os olhos dela” não vai adiantar, até o dia que a mesma queira se ajudar e tome uma atitude, perceba que esse sentimento que acha que é amor é mesmo uma doença.
Mostre esse texto a ela, fale sobre a depressão. Talvez assim você consiga ajudar. E lembre! Se achar que a pessoa corre risco, denuncie!
remetido pela leitora Simone Miranda: Assunto sempre propício! Parabéns!
Mulheres que vivem situações de violência doméstica precisam muito de ajuda psicológica para encontrar um meio de mudar suas vidas. Infelizmente muitas não seguem este caminho, quer seja por medo do parceiro, por falta de coragem de enfrentar a situação ou mesmo por vergonha.
Por tudo isso e, principalmente, pela neblina que só se adensa.
Sensacional! É realmente responsabilidade da sociedade ajudar ou ao menos denunciar as ocorrências. Às vezes acontece do nosso lado, seja com uma amiga, parente ou vizinha. Muitas vezes sequer percebemos. É importante estarmos atentos, pois nessas situações infelizmente as mulheres se encontram em alto grau de vulnerabilidade.
remetido via WhatsApp pela leitora Antônia Pereira: Muito bom ???????? Parabéns amada…seu trabalho é muito nobre.
Nossa! Que texto elucidativo! Trabalhei por anos na área de segurança e vi algumas ocorrências que começaram com lesões corporais virarem homicídio e até suicídio… ?Esta realidade ainda é muito dura e triste.
A sensação que eu tinha era a de que essas mulheres viviam em um mundo à parte. Como não largar um monstro que lhe assombra todos os dias? ? Após ler o seu texto, até me envergonho dos pensamentos que tive ao ver mulheres reiteradamente registrar ocorrência e desistir de levar à diante (antes da Lei Maria da Penha). Agora as entendo melhor… Isso não quer dizer que eu odeie menos quem as agrediu ?
Que venham mais textos maravilhosos! ?
Oi, Lis. Seu comentário me deu uma ótima ideia. Vou imprimir esse texto e entregar na DEAM, não só para quem trabalha lá, mas pra ser distribuído.
Show! Será uma bela iniciativa!
remetido via WhatsApp pela leitora Renata Fortes: Excelente texto !!!
remetido via WhatsApp pelo leitor Marcio Rojas: Importante reflexão, lamentavelmente até hoje…!
já passei por isso, sofri violência psicológica, mas por pouco tempo, um dia fui embora sem deixar endereço e até hoje não sei por onde anda a figura, diferentemente de uma parente , a família tentava protege-la e ela saia escondida pra se encontrar com o monstro e por muitos anos a mesma cogitava recomeçar o relacionamento mais violento que se pode imaginar, coisas que até hoje não entendo. Só entendo que pra mim foi fácil sair, mas nem todas tem condições emocionais de manter uma decisão que tanto a vida de uma pessoa.
Sabe, Hilda, qualquer pessoa está sujeita a se envolver em um relacionamento que se transforma em um pesadelo. Isso não chega a ser um grave problema. Mas ela não conseguir se libertar, ou sempre se envolver em relações de abuso, significa que alguma coisa está muito errada, como no caso dessa sua parenta. Que bom que você virou a página!
postado no FB por Christina Pires: Muito bom. Direto e esclarecedor, na medida.
postado no FB por Christina Pires: Compartilhei. Parabéns, muito bem escrito e vai fundo na questão. Bjs
postado no FB por Sergio Antunes: Li e gostei.
remetido via FB por Adilson Nunes: Muito bom. Recomendo.
Provavelmente, essa pessoa nunca definiu limites saudáveis na relação, em uma sociedade machista, onde o homem se acha dono do outro ser humano, e acredita que a mulher é inferior, somente por ser esposa do mesmo, que não divide pensamentos e sim impõe vontades. Acredito que se a relação for abusiva e prejudicial, e dever da esposa refleti sobre a possibilidade de abandoná-la. Não aceitando nenhum tipo de abuso emocional, a mulher merece relacionar-se com pessoas que sejam capazes de dialogar e estejam dispostas a se comunicar de forma madura e saudável. não tenham medo de denunciar o homem com essas atitudes, evite um femininicídio evite mais uma tragedia. LIGUE 197.
Fui casado vinte e três anos. Nunca bati na minha ex. Brigávamos. Os dois. Procurando resumir, eu procurei ajuda psicológica, as brigas não pararam. Ouvi da minha ex, que eu tinha problema, que a psicóloga pediu a ajuda dela. Perguntei, como ela tinha tanta certeza, se não era o meio dela se envolver e nos salvar. Se eu queria ser gentil, tinha algo a esconder. Se eu estava feliz, idem! Separamos. Se ela está bem eu não sei. Ruim que nessa história, estou afastado dos meus filhos. Porém, apesar disso. Estou muito bem. Recuperei minha auto-estima. Fiz terapia por um ano, depois de separado. Falávamos línguas diferentes. Tínhamos altos e baixos. A questão era que eu esquecia, perdoava. Ela não. Eu não sabia. Só que muito ciúme, muita desconfiança, sem nenhuma razão, me machucava. Ninguém precisa viver se justificando. Isso não é amor. É dependência. Por causa dos filhos me submeti. Acabo que fiquei longe deles de qualquer forma. Ainda sai como o bandido da história. Não sou santo! Sou homem. Como homem eu suportei, quando não dava me retirei. Pois ela nunca soube parar. Eu apelei muitas vezes pra conversar depois. A conversa nunca aconteceu. Nunca vai acontecer.
Oi, Hermes. Não diga que a conversa nunca vai acontecer. O tempo muda as pessoas, que tendem a se tornar mais flexíveis. Então, dê tempo ao tempo. E procure manter o melhor diálogo possível com seus filhos, independentemente de “ter saído como o bandido da história”, como você diz. Eles vão crescer e, mesmo que estejam fazendo a cabeça deles contra você, o que não sei se é o caso, chegará uma idade em que eles tirarão as próprias conclusões. E, se acreditar que você e seus filhos estão sofrendo um processo de alienação parental, procure um advogado. Ele mesmo poderá conversar com sua ex-mulher pra resolver o problema e, se for o caso, entrar com uma Ação na Justiça. Vou publicar um texto sobre alienação parental. Fique atento ao Blog. Boa sorte!
A nossa sociedade ainda continua tendo muitas mulheres que vem sofrendo com a violência doméstica, e infelizmente muitas continuam caladas, algumas com medo de denúnciar e outras por acreditarem que um dia tudo o que passa vai mudar em nome do amor. O que tem de ser feito mesmo é dizer não a violência doméstica, a violência contra as mulheres, denunciar jamais aceitar!
postado no FB pela leitora Magda Myron: Repentinamente nos damos conta da existência da violência doméstica e dos abusos que, em um primeiro momento, acreditamos serem somente na “carne”, mas a violência e os abusos produzidos na alma são infinitos!!!!
publicado no FB por Nara Louzada: Esclarecedor ??
O texto reflete bem a estado de ânimo da pessoa em depressão. E como é difícil sair de uma relação abusiva.
Postado no FaceBook por: Glaucia Tata Hassler: Perfeito!
Adriana via WhatsApp: Muiiiiito bom!!!👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
Cláudia via WhatsApp: Depois de tantos relatos de amigas, colegas e desconhecidas…pergunto…vc é feliz?agora faço elas repensarem na vida delas…hj, conversando com a Mona, percebi que ela está conseguindo enxergar uma luz no final do túnel…é, tão cansativo explicar o óbvio…agora descobriu que o abusador além de cheirar cocaína , é bissexual…nada contra as pessoas LGBT,até porque não classifico as pessoas por sexo, cor e tanta baboseira que a sociedade impõe…pra mim, as pessoas deveriam serem vistas na condição de ser humano…espero que ela reflita bastante…pois um relacionamento aberto deve ser mais complicado …uma menina tão inteligente…cheia de sonhos…deixando a vida escorrer pelos ralos da carência
Oi, Claudia. Realmente, o parceiro ou a parceira ser bissexual não deve ser um problema. O problema está em não se conhecer o outro, não saber nem a orientação sexual dele. Quanto a ser cansativo explicar o óbvio, é a pura verdade. Por isso essas pessoas precisam de acompanhamento profissional, o que vai muito além do aconselhamento que pode ser feito por um amigo ou amiga.
Regina Coeli via WhatsApp: No último parágrafo, por ser relato novo e não tomar medidas cabíveis de emergencial, é falha na lei ou má vontade de quem recebeu a denúncia. A pessoa denunciou qualquer ato, pegar o meliante tem q ser imediato. Não espere q ela seja espancada ou morta!
Regina Coeli, via WhatsApp: Muitas mulheres passam por isso…..é mais comum que imaginamos….😘
Pertusi via WhatsApp: Parabéns, Maraci. Excelentes artigos, como sempre! Tempestade …neblina…
belas figuras. O ser humano é mesmo complicado, para não dizer outras coisas.