Cosette Castro
Brasília – No Brasil, as atenções seguem voltadas para a COP 30, a Conferência anual da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre mudança climática que está acontecendo em Belém do Pará. Mas a boa notícia de hoje chegou da Inglaterra.
A Justiça inglesa considerou a BHP, uma das acionistas da empresa Samarco, responsável direta pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, cidade histórica de Minas Gerais. Esse é o maior desastre socioambiental já registrado no Brasil.
A vitória ocorre 10 anos após o desastre socioambiental que poderia ter sido evitado, mas não foi. A decisão condenou a mineradora anglo-australiana, algo que não tinha acontecido na justiça brasileira.
A ação tem cerca de 620 mil autoras e autores, incluindo pessoas, comunidades, municípios, igrejas e empresas, que reivindicam aproximadamente R$ 230 bilhões em indenizações. O valor das indenizações será determinado em 2026.
No entanto, para o povo Krenak, que mora ao lado do Rio Doce, a indenização traz um sentimento misto: alegria e tristeza ao mesmo tempo. Segundo Irerewá Krenak, embora a vitória seja importante, pois foi feita justiça e reparação histórica, o dinheiro não traz de volta o seu Uatú (rio, na língua Itok). O Rio Doce foi contaminado pela lama da barragem e não pode mais ser utilizado impedindo a convivência diária do povo Krenak com seu Uatú.
A empresa BHP foi considerada responsável objetiva. Isto é, vai ter que responder pelos danos ambientais e sociais causados pelo rompimento da barragem. Além disso, foi apontada negligência grave, pois a mineradora ignorou alertas técnicos, não realizou estudos essenciais e permitiu que a barragem continuasse sendo elevada mesmo diante dos visíveis sinais de risco.
Vivemos tempos de emergência climática e é impossível pensar a sobrevivência e a qualidade de vida da população sem igualdade de gênero, sem o fim da violência contra os povos originários, sem a defesa de todos os biomas e sem levar em conta o rápido envelhecimento do Brasil, que está mudando o perfil da população. Nem sem projetos limpos, que saiam da lógica poluidora do petróleo e da mineração. Muito menos sem justiça climática.
A transição ecológica vai além de um projeto técnico, energético. Se trata de um projeto humano, como escreveu recentemente Chris Zelglia. E pensar nos humanos exige pensar em cuidado, seja ele, o espaço dado ao autocuidado em termos de tempo, o cuidado comunitário e o cuidado coletivo que envolve toda população. E pensar também em igualdade de gênero, raça, território, classe social e idade.
Isso significa trazer o cuidado como tema central da vida cotidiana, incluindo políticas públicas transversais e financiamento permanente para reparar essa constante violência às mulheres. Pensar a transição ecológica e a justiça climática, sem políticas de cuidado, sem o direito à informação como cuidado coletivo e sem metas claras também no Plano Nacional de Cuidados, é só maquiar a questão.
Mais do que nunca é preciso colocar no centro do debate a sobrecarga física mental das mulheres cuidadoras que trabalham 7X7, sem descanso. Em casa, elas cuidam de pessoas e são cuidadoras domésticas. E, com a desigualdade social, muitas vezes não tem acesso a infraesturura urbana, como esgoto e locais livres de poluição.
É preciso tirar da invisibilidade o trabalho gratuito de cuidado feito pelas mulheres e a precariedade de quem cuida profissionalmente, em especial as mulheres negras e pardas. E urge considerar o apagamento social e familiar das mulheres idosas
Qualquer projeto de transição ecológica que não leve em conta questões de inclusão, igualdade de gênero, justiça climática e reparação histórica e que não seja solidário com a dor e necessidades de outros povos e comunidades, dificilmente terá sucesso.
PS: Está disponível no Youtube o debate realizado nesta sexta-feira em Belém, na COP 30, sobre Cuidado, Gênero e Clima,

