Quando Não Há Equilíbrio no Cuidado

Publicado em Dia Internacional do Cuidado

Cosette Castro

Brasília – Toda relação humana inclui um dar e um receber. Na relação de cuidado de pessoas também deveria ser assim, mas em geral não é. Principalmente quando a relação envolve uma pessoa que cuida um familiar e precisa colocar em segundo ou terceiro plano seus projetos, estudos e trabalho.

As pesquisas apontam que mulheres de diferentes idades passam a vida cuidando de uma ou mais pessoas sem remuneração. A cada 10 pessoas que cuidam pessoas com demência, por exemplo, 09 são filhas, esposas ou noras dos pacientes, segundo pesquisa da Unifesp (2025). E elas não param de cuidar após os 60 anos.

No Brasil, os casos de pessoas com demências, que se tornam cada vez mais dependentes, estão aumentando rapidamente.

Não há números concretos sobre a quantidade de pessoas com demência no país. A estimativa dos especialistas é de que sejam algo em torno de 2,3 milhões de pessoas. Mas há outros 80% de pacientes ainda a espera de diagnóstico.

Existem mais de 120 tipos de demências e a mais conhecida é o Alzheimer. É a mais longa, com casos de pacientes acamados sobrevivendo há 25 anos, e a que mais atinge as mulheres. Mas ninguém que cuida um familiar está preparada para as diferentes fases dessa síndrome multifatorial.

Não há campanhas nacionais, não há materiais informativos, a não ser os produzidos pelos movimentos sociais, como é o caso do Coletivo Filhas da Mãe. Há poucos cursos gratuitos para preparar cuidadoras familiares e para profissionais. Um dos exemplos é o curso bianual oferecido pela Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília que se encontra na 17a. edição. E  muito menos disciplinas obrigatórias na graduação para formação dos profissionais da saúde ou cursos permanentes para o funcionalismo público.

No cuidado familiar de pessoas com dêmencia, síndrome neurodegenerativa progressiva e sem cura, há muito desequilíbrio entre o dar e o receber.

Do lado de quem cuida um familiar, há alguém que se doa, que cuida diariamente sem nenhum preparo teórico ou emocional anterior. E, dependendo da família e do orçamento doméstico, pode ser um cuidado solitário, onde todas as obrigações recaem sobre uma única pessoa.

Do outro lado, há alguém que necessita cada vez mais de cuidados. É uma pessoa  que não vai se curar, já que se trata de uma síndrome progressiva.  Mesmo que esse seja o nosso desejo (a cura) e que a maior parte de nós espere um milagre no decorrer dos anos de cuidado familiar.

Sobre o Dia do Cuidado

Segundo a Política Nacional de Cuidados (PNAC), aprovada em dezembro de 2024, o cuidado é uma necessidade e um direito (conheça a PNAC aqui).Todos nós um dia já fomos cuidadas e em algum momento necessitaremos de cuidado (de forma temporária ou permanente).

O cuidado também é um direito humano. Temos direito a ser cuidadas, a cuidar e direito ao autocuidado. Ainda que pouca gente pratique autocuidado. Algumas pessoas confundem o cuidado de si com egoísmo. Não é. Autocuidado é um direito, é sobrevivência e deveria ser uma prioridade física e emocional.

Nas reflexões do Coletivo Filhas da Mãe sobre cuidados mais um item foi incluído. Consideramos o direito à informação como um cuidado coletivo e um direito humano.

Sem informações não é possível conhecer, acessar políticas públicas nem buscar direitos. Seja na área da educação, do Serviço Único de Saúde (SUS) ou no Serviço Único da Assistência Social (SUAS). Sem acesso às informações, somos parcialmente cidadãs e cidadãos.

Já no Congresso Nacional, desde 2024 tramita a Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 14, que propõe a constitucionalização dos cuidados.

Isso significa incluir o cuidado na Constituição Federal como um direito da população ao lado do direito à educação, à saúde e à moradia. A proposta foi assinada pelas deputadas mulheres de todos os partidos, mas a PEC ainda aguarda tramitação em um Congresso de maioria masculina.

Na próxima quarta-feira, dia 29/10, é o dia internacional do cuidado e apoio, data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2023.

A proposta do dia internacional dos cuidados é incentivar governos, empresas, sociedade e cada pessoa a pensar no cuidado coletivo levando em conta um futuro mais justo e sustentável. Isso inclui a defesa da natureza e o combate à desigualdade de gênero, onde a divisão do trabalho de cuidado segue absolutamente desigual entre homens e mulheres.

No Brasil de 2025, essa data deveria incluir o anúncio e o detalhamento do Plano Nacional de Cuidados com metas, orçamento e financiamento que inclua pessoas todas as idades, em especial as mulheres cuidadoras diariamente sobrecarregadas física e mentalmente.

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