Mais Uma Maria Sem Cuidado

Publicado em violência contra as mulheres

Cosette Castro

Brasília – Chegando ao final do agosto lilás, mês de conscientização sobre a violência contra as mulheres, trazemos mais uma história de Maria.

A Maria de hoje representa milhões de Marias,  Adrianas,  Simones, Andreias ou Márcias em um Brasil cuja população feminina é de 51,5% (IBGE, 2022). Muitas delas precisam abandonar a casa, o bairro, a cidade e até o estado para sobreviver.

Vivemos em uma Sociedade da Violência contra as mulheres. E as violências se apresentam de diferentes formas.

Uma delas é a invisibilidade da sobrecarga de trabalho doméstico e do trabalho de cuidado de familiares. Passa pelos salários desiguais entre homens e mulheres. E inclui violência doméstica física, moral, com humilhações, psicológica, sexual e financeira por namorados e companheiros ou exs.

O Brasil é um país perigoso em especial para mulheres negras e pardas que vivem em situação de fragilidade social. Mas  não se engane. A violência doméstica transpassa todas as classes sociais, raça ou etnia, e idades. E, em muitos casos, segue após os 60 anos.

Basta ver as constantes notícias de mulheres que mal conseguiram sobreviver aos ataques de atuais ou ex-namorados/companheiros.

Há vários relatos nos noticiários  de rostos e corpos destruídos, de mulheres há meses em recuperação física e emocional em diferentes hospitais do país. E casos de descarado sadismo masculino, onde há prazer em infringir dor e sofrimento às mulheres.

As violências começam desde cedo. Meninas e adolescentes sofrem o risco dos estupro dentro da própria casa. Em 2023, o Brasil registrou um estupro a cada seis minutos. Nove de cada 10 vítimas eram meninas de menos de 14 anos. Todos os anos cerca de 20 mil meninas dão a luz.

Por motivos moralistas ou  religiosos, a muitas delas é negado o direito ao aborto em corpos de 10, 12, 14 anos. Corpos ainda em formação, sem condições biológicas  de gerar outro ser.

Por isso, todos os dias vale lembrar que criança não é mãe. E estrupador não é pai. É um criminoso.

Não por acaso, o Brasil é o quinto país do mundo em casamento infantil, um absurdo que não deveria ser permitido por nenhum pai ou mãe. Nem pelo Estado.

Violência explícita

Em uma década, 47,4 mil mulheres foram assassinadas no Brasil. Em 2023 ocorreram 3.903 feminicídios. Esses números, segundo o IPEA (2025), representam apenas 37% dos casos. São aqueles que foram nominados como feminicídios. E isso ainda dependende de quem atende o  ocorrido. Ainda há muita subnotificação sobre o assassinato de mulheres.

Apesar de todos os programas de proteção, muitos homens acreditam que podem sair impunes e livres. Muitos, sequer respeitam medidas protetivas. E seguem perseguindo e ameaçando as ex-namoradas/companheiras. Este é o caso da Maria da Silva, cujo relato segue abaixo.

A Maria tem 39 anos. Dois filhos. O primeiro companheiro a abandonou quando soube da gravidez. O segundo também. Maria contava com a ajuda da família para poder trabalhar e cuidar da mãe em Taguatinga.

Ano passado, ela pensou que finalmente tinha encontrado o “homem certo”.  Bom com os filhos, atencioso com a mãe. Até descobrir que ele a seguia  quando ia a encontros com amigas ou familiares. Não, não era coincidência se encontrarem logo ali “naquela quadra”.

Depois ele começou a falar da roupa. Logo ela que sempre ia a igreja e se comportava.

Ele  também começou a  fazer chantagem: “se ela o  amava”  diria a senha do celular. Por amor, para não brigar, ela cedeu. Isso só aumentou o ciúmes e os controles.

Maria decidiu terminar quando ele, em um ataque de ciúmes, a levantou pelos cabelos de uma cadeira. E deu umas sacudidas nela, porque “ela mereceu”. A vida virou um inferno de perseguições e ameaças em Taguatinga. Mas ela não queria ir embora do Distrito Federal.

Ela tinha seu cantinho, os filhos na escola e a mãe pra cuidar. Mas a sua vida estava em jogo. Começou a ter de dormir na casa de amigas, parentes e até da sua chefe.

Há dois meses Maria deixou o DF. Foram muitas horas dentro de um ônibus com as crianças até chegar ao Maranhão.

Maria ainda passa noites sem dormir. Acorda com pesadelos na casa dos parentes. Ela não é mais cuidadora da mãe e não conseguiu novo emprego. Só faxinas esporádicas.

Maria, como milhões de mulheres no país, está começando a vida do zero, com dois filhos, solidariedade familiar e  um pouco de dinheiro que estava acabando. Ela é Maria da Silva. E poderia ser a história da maioria de nós.

No entanto, as mulheres estão mudando. Elas estão denunciando, organizando Confererências Livres e a V Conferência Nacional de Políticas para Mulheres. Hoje crianças, adolescentes e jovens de todos os gêneros, quando reconhecem, não aceitam a violência. A sua maneira, contribuem para a construção da Sociedade do Cuidado. Uma puxa a outra.

PS: O Ministério do Desenvolvimento Social (MSD) lançou edital (leia aqui) para que a sociedade civil participe do Comitê Estratégico do Plano Nacional de Cuidados.

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