Cosette Castro
Brasília – O início da convivência com um familiar com demência pode ser assustador para quem cuida. Principalmente pela falta de informações.
Perto de nós há uma pessoa querida que começou a se portar de forma diferente. Parece que ocorreu da noite pro dia. Não foi.
Às vezes, por amor, distração ou medo, não notamos os sinais, mas eles estão lá se desenvolvendo. Todos os dias. Dia a dia.
Aquela pessoa independente, voluntariosa, divertida, que gostava de viajar, dirigir, ir a festas, receber amigos ou preparar comidas maravilhosas, já não é mais a mesma.
Começam os esquecimentos, as mudanças de humor, os equívocos no gerenciamento do dinheiro. A irritabilidade. As brigas com pessoas da família ou vizinhas que vão se repetindo, apenas trocando de nome.
Tendemos a terceirizar a responsabilidade por nossos atos ou falhas, inclusive as de nossos entes queridos. E o primeiro momento é o de “buscar um culpado” para justificar o que ainda não conseguimos ver.
O envelhecimento passa a ser a desculpa perfeita para as mudanças que estão ocorrendo. Além de ser apenas uma justificativa, é também preconceito. Idadismo.
Ao jogar a “culpa” na idade, muitas pessoas postergam a ida no especialista. E quando vão, mesmo após os exames de imagem, os testes cognitivos e avaliação neuropsicológica, se negam a acreditar no diagnóstico de demência.
Enquanto isso, os esquecimentos continuam. De nomes, pessoas, lugares e datas. A memória recente começa falhar. As contas bancárias ficam desorganizadas. Começa a haver rodízio de empregadas ou diaristas. E dirigir um carro passa a ser um risco, mesmo que a pessoa doente jure que “está tudo bem”.
Um diagnóstico de demência, seja ela o tipo que for, compromete radicalmente a vida daquela família, grande ou pequena.
De um lado, há alguém que, mesmo sem saber o seu diagnóstico, sabe internamente que algo está errado.
Essa pessoa tem medo da dependência e de não controlar mais a própria vida. E, em geral, luta contra as medidas de proteção, compreendidas como injustiças.
De forma reativa, muitas pessoas na fase inicial se negam a receber ajuda, a tomar remédios, a aceitar alguém estranho dentro de casa. Enfim, negam todo e qualquer rearranjo na sua vida. Por mais que a cuidadora familiar tente propor soluções que protejam e impeçam possíveis acidentes.
De outro lado, temos mulheres cuidadoras que, de uma hora para outra, precisam dar um jeito para adequar a agenda e cuidar do familiar enfermo. Sozinha ou em rodízio com outros familiares, precisam parar de estudar, trabalhar ou realizar projetos pessoais.
Em geral, fazem isso sem conhecer a dimensão e a devastação física e emocional de cada fase da demência.
Muitas passam o tempo de cuidado familiar desejando que aconteça um milagre. Que uma medicação reverta o cérebro danificado. E que o familiar “volte a ser como era antes”.
Isso é impossível. Infelizmente não há volta atrás. O tempo não para. As demências são doenças progressivas e ainda sem cura.
A maioria das cuidadoras familiares passam a maior parte dos anos de cuidado sem receber informações suficientes sobre as etapas da doença. Isso também amplia a sobrecarga física e emocional. E promove o adoecimento.
Também não sabem sobre o custo das demências, sobre o desgaste familiar. Sobre empobrecimento e endividamento.
Sobre maridos que saltam do barco durante o decorrer da doença. Sobre pequenos e grandes abusos que ocorrem contra a pessoa com demencia. E abusos que também ocorrem contra as cuidadoras, muitas vezes desacreditadas pela propria família. E por médicos despreparados para acolher quem cuida.
Não é fácil encontrar soluções para convencer uma pessoa doente na fase inicial a receber ajuda.
Ainda mais quando a pessoa têm consciência e é praticamente independente. Curatela e internações em Instituições de Longa Permanência para Pessoas Idosas (ILPIs) são possíveis nas fases mais avançadas das demências, quando a consciência já é parcial.
Aceitar a segunda alternativa (ILPIs) demanda tempo, dinheiro, coragem. E muita terapia para aceitar que estamos adoecendo e que não conseguiremos salvar nosso familiar.
No caso da minha mãe, que era uma pessoa solidária, eu inventava histórias tristes de que a cuidadora profissional era uma amiga pessoal que precisava de ajuda e trabalho para sobreviver.
Antes da pessoa selecionada começar a trabalhar, ela nos visitava umas duas vezes. Comentávamos sobre seu “problema” enquanto tomávamos lanche com minha mãe. Depois de uns dias, pedia “ajuda” pra minha “amiga”. Outra foi professora de Espanhol. Em geral dava certo.
Cada caso é um caso.
Uma sugestão é descobrir o que poderia sensibilizar seu familiar na fase inicial. E para você, além do grupo de apoio e terapia, sugerimos ajuda médica com profissionais que olhem e acolham também quem cuida.
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