Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – Em 2019, estudo do Institute for Heslth Metrics and Evaluation (IHME) apontou que 1 bilhão de pessoas viviam com algum transtorno mental ou com consequências do uso de substâncias no mundo. Sete em cada 10 pessoas diagnosticadas eram mulheres. Um sinal de alerta para a Organização Mundial da Saúde (OMS).
No Brasil, a pesquisa mostrou que 49 milhões de pessoas viviam com algum tipo de transtorno mental ou com consequências do uso de substâncias. Deste total, 53% são mulheres.
Levando em conta esses dados, a ONG Think Olga, foi às ruas para compreender como anda a saúde mental das mulheres após a pandemia. E os números seguem preocupantes.
Eles podem ser encontrados no Relatório “Esgotadas”, lançado pela ONG em outubro. E é resultado da pesquisa com 1.078 mulheres, de 18 a 65 anos, em todos os Estados do Brasil. (Leia aqui)
A ansiedade é o transtorno mais comum no Brasil e faz parte do dia a dia de seis em cada dez mulheres. Entre as participantes, 35% foram diagnosticadas com ansiedade, 17% com depressão e 7% com síndrome do pânico, entre outros transtornos.
Diariamente essas mulheres são sobrecarregadas pelas atividades de cuidado sem remuneração de todos os tipos, dentro e fora de casa. E por diferentes tipos de violência, muitas delas naturalizadas socialmente.
Os sintomas se manifestam na forma de estresse, irritabilidade, fadiga, sonolência, insônia, tristeza, perda de interesse e baixa autoestima. Apesar de 45% das mulheres terem sido diagnosticadas, 38% deste percentual não faz acompanhamento médico.
Outros fatores impactam na saúde mental das brasileiras. Entre eles está a questão econômica, como a baixa remuneração, a situação financeira apertada e as dívidas. Um empobrecimento e endividamento que temos acompanhado de perto entre as cuidadoras familiares participantes do Coletivo Filhas da Mãe, assim como os relatos de ansiedade, depressão, fadiga, insônia e esgotamento.
Para além da sobrecarga física e mental diária, as mulheres ainda sofrem com a precarização do mercado de trabalho. Embora o estudo não fale sobre isso, é possível incluir o etarismo, que vai afastando as mulheres 50 e 60+ do mercado e, muitas vezes, da vida social. Principalmente quando se tornam cuidadoras familiares de pessoas com demências (ou qualquer outra doença incapacitante e/ou sem cura) e não têm com quem repartir o cuidado diário.
Ao pensar sobre saúde mental é preciso ir além da perspectiva biológica, que inclui metabolismo, ciclos reprodutivos, puerpério, hormônios. E menopausa para aquelas que já chegaram ou passaram dos 50+. Embora sejam fatores a serem levados em consideração, é necessário incluir, como fez a pesquisa “Esgotadas” outras categorias de análise para compreender o contexto em que as mulheres brasileiras vivem.
O estudo incluiu a questão de gênero e o histórico tratamento diferenciado entre homens e mulheres em todos os setores. E a violência, a misoginia (ódio ao feminino) contra as mulheres que, muitas vezes, culmina no feminicído. As diferenças de classe e a vulnerabilidade social de milhares de mulheres no país também foram analisadas.
A pesquisa abordou ainda a questão racial e o histórico privilegio de pessoas brancas em relação à mulheres negras, pardas e indígenas no país. Regina Facchini, pesquisadora da Unicamp, lembra que ” o sofrimento psíquico é também sofrimento social. E psicossocial.” Não dá para separar essas dimensões.
No que diz respeito às cuidadoras, uma em cada quatro participantes da pesquisa afirmou que está insatisfeita ou extremamente insatisfeita com a sua saúde mental.
Como já pontaram estudos anteriores, inclusive a pesquisa sobre o Perfil das Pessoas Idosas com Demências e o Perfil de Cuidadores no Distrito Federal (IPE/DF, 2022), responsabilidade demais adoece. O peso do cuidado diário (familiar ou pago) tira o tempo e o direito das mulheres para viver sua própria vida. Como se não bastasse, quanto mais tempo dedicado ao cuidado maior a sobrecarga física e emocional. E maior empobrecimento e endividamento das mulheres que, sob tais condições, entram em sofrimento e adoecimento psíquico.
Desde a sua criação em dezembro de 2019, o Coletivo Filhas da Mãe, que apoia cuidadoras familiares de pessoas com demências, têm realizado projetos e ações voltados para o cuidado de quem cuida. Essa foi nossa pergunta original: Quem Cuida de Quem Cuida?
É quase um mantra no Coletivo: cuidado coletivo e autocuidado para (tentar) reduzir os danos da sobrecarga física e emocional de cuidadoras familiares. Elas adoecem física e mentalmente todos os dias. E, a exemplo da pesquisa, nem todas conseguem buscar ajuda.
Para pensar o presente e o futuro, temos propostas para a Política Nacional de Cuidados a ser desenvolvida pelo governo federal, levando em conta que o Estado é co-responsável pelo cuidado da população. E também para os demais setores sociais, como temos publicado no Blog, desde 2021. Mais informações, fale conosco no Instagram @blocofilhasdamãe, pelo email filhasdamãecoletivo@gmail.com ou deixando uma mensagem ao final Blog.