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Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Nesta segunda-feira, 16/10, Ana Castro está participando de audiência pública no Senado Federal sobre a Política Nacional de Cuidados Integrais para Pessoas com Alzheimer e outras Demências.

Segue  na íntegra a fala da Ana.

Ana Castro – “Meu nome é Ana Castro, sou jornalista e uma das coordenadoras do Coletivo Filhas da Mãe.

O Coletivo existe há  quase quatro anos e apoia cuidadoras  familiares de pessoas com demências.

Falamos no feminino porque a maioria das pessoas que cuidam no Brasil  são mulheres. É uma forma de  homenagear e dar visibilidade ao trabalho e a sobrecarga física e emocional dessas mulheres

Aprendi a cuidar acompanhando minha avó, Dona Cecília, que médica e parteira. E com minha mãe, uma cuidadora da família e de amigas, atenta às delicadezas do cuidado.

Cuidei do meu pai, do meu padrasto e da minha mãe, todos com demência. Ela teve doença de Alzheimer, apesar de cuidar muito da saúde e da reserva cognitiva, com três cursos superiores e ter sido servidora concursada desta Casa. Ela também teve que cuidar de uma amiga igualmente inteligente.

E cuidado não envolve apenas dar medicação, alimentar e manter seguro. É viver a vida do outro, adivinhar necessidades, desejos, proteger, driblar a burocracia para conseguir os serviços públicos necessários ou viver no embate até jurídico para garantir direitos aos serviços privados.

Nessa jornada, a gente deixa de se cuidar. E na maioria das vezes, de viver.

Coletivo Filhas da Mãe
Em dezembro de 2019, criamos o Coletivo Filhas da Mãe. A proposta era sair apenas do foco da doença, incluindo pesquisas e políticas públicas voltadas  também para quem cuida de um familiar com demência,  entre elas o Alzheimer.

Não é possível adotar políticas públicas apenas de quem está doente, deixando de lado as cuidadoras familiares. Porque nós desenvolvemos conhecimento do manejo das Demências em todas as suas fases. E pagamos com a própria saúde por tentar suprir a ausência do Estado e de serviços privados necessários.

Daí a gente querer contribuir na prevenção de saúde das pessoas que cuidam e estimular o autocuidado e o cuidado coletivo. Também incentivamos o riso e o direito à alegria com ações de arte e cultura.

Acreditamos que  informação,  cuidado e autocuidado são direitos humanos, assim como o direito a saúde integral pública para toda vida.

A pesquisa sobre o Perfil das Pessoas Idosas com Demências e das Pessoas que cuidam no Distrito Federal, publicada em dezembro de 2022,  por incentivo do Coletivo Filhas da Mãe, mostrou que as cuidadoras familiares estão envelhecendo e empobrecendo. As cuidadoras profissionais também estão envelhecendo.

Acreditamos no direito ao envelhecimento saudável e ativo e na urgência de estimular uma Sociedade do Cuidado no Brasil.

E se vamos falar de uma Sociedade do Cuidado não podemos esquecer o cuidado familiar e só falar de quem está doente

Preconceito e Falta de Conhecimento
Há 03 anos , em 2020,  fui diagnosticada com Comprometimento Cognitivo Leve (CCL).
Um ano antes, em 2019, no Congresso Internacional  de Alzheimer ouvi um neurologista admitir que era difícil dar um diagnóstico de  CCL. Se sabe pouco sobre a necessidade das intervenções.

E eu vivo tateando na busca de alternativas gratuitas. O SUS, ao que eu saiba não oferece. Convênios, raramente.

Aproveito todos os treinos cognitivos em grupo que as universidades oferecem em pesquisas de mestrado e doutorado. E treinos gratuitos para 60+ no uso de tecnologias digitais. A tecnologia é minha maior cuidadora. Da Alexa à agenda do Google.

Eu me esforço bastante para seguir em frente após o diagnóstico de CCL. Como fiz para manter a qualidade de vida e o sorriso da minha mãe até seus últimos dias. Mas é desfiador e solitário, apesar de uma família bacana e amigos.

Há Muito a Ser Feito
Vivemos em um país  onde 70% dos casos de demências  ainda não foram diagnosticados

Precisamos urgentemente de informação continuada para a população sobre os sintomas das demências, entre elas o Alzheimer.

Também precisamos informação e formação continuada para as pessoas que trabalham na área da saúde, inclusive médicos.

No Coletivo Filhas da Mãe,  vemos a realidade diária e dramática das cuidadoras familiares.

O cuidado seria mais leve se fosse  implementada a Lei  Distrital  6926/2021. É a primeira lei no país que incluiu a prevenção de saúde para cuidadoras e cuidadores. De todos os tipos. E para os demais familiares.

Dessa experiência que a gente compartilha com outros grupos nas redes sociais, apresentamos  algumas sugestões para a Política Nacional de Cuidados Integrais para Pessoas com Alzheimer e outras Demências.

1.Que ela  dê visibilidade e reconhecimento às cuidadoras e cuidadores familiares com artigos específicos no PL, mais além de pequenas citações.

2.Que haja formação contínua e específica para cuidadoras e cuidadores familiares que inclua os temas: cuidado, autocuidado, saúde integral e eenvelhecimento saudável e ativo como direitos humanos.

3.Que cuidadoras e cuidadores familiares recebam  formação e/ou atualização profissional  gratuita depois da morte do familiar com demência para que possam voltar ao mercado de trabalho.

4.Que os anos de cuidado familiar contem para a aposentadoria das  cuidadoras familiares em processo de envelhecimento.

5.Que o PL apoie o reconhecimento da profissão de cuidadoras e cuidadores profissionais. Elas e eles deverão ter curso específico e estágio  poder para atuar e acompanhar pessoas idosas, com ou sem demências.

6.Que as campanhas públicas de informação sobre prevenção de demências  e sobre prevenção da saúde integral sejam realizadas anualmente  em diferentes mídias e também nos locais de  atendimentos do SUS.

7.Que sejam ampliadas as equipes do SUS de atendimento domiciliar para pacientes com demência e para prevenção da saúde física e emocional de cuidadoras familiares.

8.Que sejam criados Centros Dias públicos para atendimento de pessoas com os diferentes tipos demências, reduzindo a sobrecarga física e emocional de cuidadoras e cuidadores famíliares.

9.Que sejam criadas Instituições de Longa Permanência de Pessoas Idosas (ILPIs) públicas para atender pacientes que necessitem de atendimento especializado fora das possibilidades do cuidado familiar.

10.Que seja incentivada a formação de cuidadoras sociais/ comunitárias, amigas e vizinhas que ajudam pacientes que moram sozinhos,  estimulando o envolvimento social da comunidade nas questões relacionadas ao envelhecimento populacional.

11. Que seja criado  um Departamento Nacional de Demências  no Ministério da Saúde que dialogue com outros ministérios,  que estimule a pesquisa nacional e parcerias internacionais e que dialogue com as universidades, associações  e movimentos sociais,  tornando conhecido o Plano Nacional de Demências

12. Que seja desenvolvida estratégia nacional em direção ao diagnóstico precoce para que os pacientes tenham qualidade de vida nos estágios iniciais das demências

13.Que seja desenvolvida uma estratégia nacional para o acompanhamento interdisciplinar gratuito de pessoas com Comprometimento Cognitivo Leve (CCL)

14.Que seja incentivada uma Sociedade do Cuidado que inclua todos os agentes sociais com igualdade de voz e decisão.”

Cosette Castro

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