No Setembro Roxo, Filhas da Mãe Contam Histórias

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Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – No mês do Setembro Roxo abrimos espaço no Blog às cuidadoras e ex-cuidadoras familiares de diferentes lugares do país.

Damos voz às cuidadoras através do projeto Filhas da Mãe Contam Histórias. O projeto começou em vídeo em  2020, em plena pandemia.

Em 2021 e 2022, com a criação do Blog no Correio Braziliense, passamos a  receber histórias escritas para internet.  Aceitamos histórias  engraçadas, tristes ou desafiadoras relacionadas ao cuidado familiar e o cotidano das cuidadoras.

A primeira convidada do Filhas da Mãe Contam Histórias 2023 é Miriam Morata, arquiteta de São Paulo que cuidou do pai e da mãe com demência.

Miriam transformou esse  desafio cotidiano em livros de sucesso, em site e no grupo “Cuidademim – Alguém que eu Amo tem Alzheimer” que, como o Coletivo Filhas da Mãe, é uma rede de apoio às cuidadoras.

Miriam Morata – “O Alzheimer divide a vida do paciente e do cuidador em duas eras:  A.A. e D.A. – Antes e Depois do Alzheimer.

Quando alguém recebe o diagnóstico de Alzheimer, algum familiar receberá o “diagnóstico” de cuidador. A partir daí tudo será imprevisível, doloroso, cansativo e assustador. Todas as questões que remetem à fragilidade, impermanência e luto serão atualizadas, sem maquiagem ou filtro.

O Alzheimer arranca as rédeas da vida das nossas mãos, escancara nossa impotência, a profunda necessidade de colo. Revela que, por mais que nos acreditemos fortes e senhores do nosso destino, existe um gatilho no cérebro, ou sei lá onde que, quando acionado desfaz tudo o que é “nosso”. Desde lembranças até projetos para futuro. Ele nos deixa nus e assustados, exatamente como estávamos no dia em que nascemos.

Nada será como antes, não seremos as mesmas pessoas. O cuidador adquire um novo olhar até mesmo para interpretar textos.

Notícia:

– “Segundo dados do Ministério da Saúde, em torno de 1,8 milhão de brasileiros têm Alzheimer e 100 mil novos casos são diagnosticados por ano no país. “

O cuidador lê assim:

– “Quase 2 milhões de brasileiros cuidam de um familiar com Alzheimer. E 100 mil novos cuidadores sairão do mercado de trabalho, abrirão mão dos sonhos, saúde mental, projetos, emprego, lazer, ilusão da família unida e feliz.

Deixarão de lado as certezas cristalizadas como,  por exemplo “eu tenho controle da minha vida” ou “eu quero, eu realizo”. Eles gastarão tudo que economizaram e ficarão endividados por alguns anos. Perderão o equilíbrio espiritual e emocional. E se descobrirão sozinhos, sem apoio familiar ou do Estado, esgotados e assustados.

Notícia:
– “Segundo estimativas da Alzheimer’s Disease International, os números poderão chegar a 78 milhões em 2030 e 139 milhões em 2050.”
O cuidador lê assim:
– Em um futuro muito próximo, quem não for paciente será cuidador. O Estado e a sociedade estão preparados para essa realidade?
– Não!
O cuidador pode mudar essa realidade?
– Não! Ele não tem tempo sequer para se olhar, pedir socorro, recolher seus pedaços que ficarão para sempre perdidos nos escombros dos dias.
Como em um circo, nós ficamos o tempo todo equilibrando pratos. Cada vez que um prato começa a balançar, corremos desesperados e giramos a vareta enquanto olhamos atentos os demais pratos. Sem espaço para sentar um pouco, sem tempo para contar para alguém dos nossos medos e frustrações.
E nessa corrida louca temos medo de não conseguir chegar a tempo e  que todos os pratos caiam.
Eles cairão e nós continuaremos, por algum tempo, correndo para tentar equilibrar nada.
Algumas pessoas insistem em chamar a pessoa que cuida de guerreir, anjo, filho exemplar, marido dedicado, esposa amorosa… mas nada disso define o ser humano esgotado, que negocia com a morte e a loucura todos os minutos do dia, todos os dias do ano.
Eu não sabia nada sobre demência, delírios, rigidez muscular, úlcera de pressão, infecções. Nem sobre o luto por alguém amado que ainda respira… eu não estava preparada para olhar os olhos vazios do meu pai, ou ouvir minha mãe pedindo para morrer.
Não estava preparada para trocar a fralda da minha mãe, ou dar comida na boca do meu pai. Aquele homem que me carregou no colo e embalou os meus sonhos, já não conseguia segurar a colher ou engolir a comida que eu colocava na sua boca.
Eu não estava preparada para ser órfã de pais vivos.
A cuidadora não é forte. Ela passa por cima de seus medos, culpa, frustrações, cansaço de existir, ou das dores do corpo e da alma para oferecer um pouco de dignidade e qualidade de vida, para alguém que não a reconhece mais. Ela aposta que o amor será suficiente para vencer todos os desafios.
Amor não é suficiente. Pessoas que cuidam  precisam de respeito, apoio, políticas públicas, programas sociais. Pecisam de leis, informação, oportunidades para resgatar os sonhos e projetos que deixou para trás quando parou a vida para cuidar de alguém que ama.
Precisam que a família, o Estado e os amigos ouçam seu grito sufocado: “cuida de mim, porque eu não sei mais quem eu sou e não aguento mais ser forte.”
No Coletivo Filhas da Mãe acreditamos que a Sociedade do Cuidado se constrói com políticas públicas, redes de apoio e participação de toda família no cotidiano do cuidado. E, no nível individual, acreditamos na importância do acompanhamento terapêutico.
PS: Na segunda-feira haverá live do Ministério da Saúde relacionada à situação das demências no Brasil. Link aqui.
PS 2: Conheça a programação do Setembro Roxo 2023 do Coletivo Filhas da Mãe.

Cosette Castro

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