Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – Quando começamos a conviver com um familiar com demência, em geral nosso cotidiano vira do avesso.
Tem momentos em que parece que a vida se tornou um pesadelo. Sem perspectiva de melhora. Parece inclusive que não há escapatória.
Os dias se repetem na tentativa de alimentação nem sempre bem sucedida. Até descobrirmos que a demência muda o paladar de nossa familiar.
Aquele prato predileto não é mais o predileto. E é preciso reaprender os (novos) gostos da pessoa com demência. Do zero. Tudo de novo.
E a resistência a medicamentos? As medicações escondidas em bolsos de casacos ou das calças?
Um dinheiro suado gasto todo mês para tentar melhorar a qualidade de vida do nosso ente querido jogado pela janela. Guardado nos cantos dos sofás, embaixo da cama. Ou cuspido longe.
Isso acontece até aprendermos todas as táticas possíveis para diluir ou esconder os medicamentos nos alimentos, sucos, chás, sobremesas.
Há dias que temos a sensação de que a pessoa que amamos foi abduzida. A levaram para o planeta Marte e deixaram uma cópia.
Aquela pessoa sem freio social que diz que o elevador vai cair quando vê entrando uma pessoa com sobrepeso, não é reconhecível.
Nem aquela que, de repente, quer sair na rua com roupas transparentes. Que foge de camisola. Ou que coloca a cueca na cabeça porque não entende mais o significado desse e de outros objetos.
Em momentos públicos de vergonha alheia é preciso aprender a se reciclar.
Não dá pra editar a vida como se fosse um filme. Sugerimos respirar fundo e encontrar um jeito delicado de contar à pessoa ofendida que a falta de freio social é uma característica das demências.
Informar sobre demência para as vizinhas, ao síndico/a e à portaria do prédio pode ser uma boa ideia.
Tem momentos que o familiar insiste em “voltar para casa”. Uma casa que não existe mais. Está presa na memória da infância. Mas escutamos o mesmo pedido dia após dia.
Não adianta querer convencer uma pessoa que vive em outra realidade…mas é possível dizer que vai levar amanhã. Que hoje está muito tarde. Ou que o tempo está pra chuva. Até que a pessoa esqueça, temporariamente, o pedido.
Sabe aquela pessoa super higiênica que passa a fugir do banho? Que não entende mais o significado do chuveiro e da água que cai lá de cima? Ou que ao ver água grita por socorro como se tivesse apanhando?
Sim, é nosso parente. É preciso encontrar outros momentos para dar banho, escovar dentes, inclusive flexibilizando nossa própria noção de higiene. Uma sugestão é aderir a “banhos de gato” nortunos, após o familiar ser medicado e dormir.
E as horas de preocupação porque a pessoa querida pegou a chave do carro e saiu escondida, sem rumo e sem documento?
Ela pode se perder. Pode causar um acidente. Pode tornar violenta caso seja abordada por um policial. Este, por sua vez, não foi preparado para lidar com pessoas com perdas cognitivas, que não compreendem a realidade. Talvez seja a hora de pensar em vender o carro e adotar outras formas de locomoção.
Uma situação muito dolorosa são as acusações de roubo. Objetos que o familiar mesmo guardou, escondeu e já não lembra mais. E as acusações na frente de outros familiares de que estão tentando roubar seu dinheiro?
Números, senhas e dados bancários ficam cada vez mais difíceis de compreender. E sim, vai chegar o dia em que é preciso pensar em curatela. Em assumir a administração da vida do familiar em todas dimensões, inclusive financeira.
Todos esses momentos podem ficar mais leves, mesmo que pareçam assustadores no primeiro momento.
Ficam mais leves quando repartimos a experiência em um grupo de apoio. Quando buscamos informações sobre o tipo de demência que o nosso familiar tem.
E quando investimos em nós mesmas, em autocuidado buscando ajuda profissional para entender o que sentimos frente às diferentes situações.
PS: Na próxima segunda-feira, dia 12/06, das 9 às 15h, vai acontecer a III Conferência Livre em Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa-DF. O encontro é presencial, no SESC-DF da 913 Sul. Inscrições aqui.