Crônica da Destruição Anunciada

Publicado em Cuidado e Autocuidado

Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – O texto de hoje deveria tratar sobre envelhecimento, mas pela gravidade dos fatos, decidimos mudar. Desde ontem nossos cabelos estão mais brancos e nossos olhos mais tristes com as cenas de destruição do patrimônio nacional.

Cenas que poderiam ser de um filme de terror. Mas não são.  Foram assistidas ao vivo em todos os canais de TV, nas redes sociais digitais, no rádio. No Brasil do Oiapoque ao Chuí. No mundo inteiro.

Essas cenas de vandalismo, destruição e desrespeito foram multiplicadas em lives e selfies feitas com muito “orgulho” por pessoas que dizem amar o país, mas não se importam em destruir prédios representativos dos poderes da República em cadeia nacional. Ainda que a destruição seja uma agressão (também) a eles mesmos, contra seus familiares e contra as futuras gerações.

Apesar do choque, não ficamos caladas. Seguimos com a certeza de que o respeito aos poderes constituídos é o melhor caminho para garantir a democracia. E que o debate de idéias e o diálogo é o melhor caminho para a convivência sadia entre pessoas adultas.

Desde domingo a tarde foram horas na frente da TV, inúmeras trocas de Whats App, telefonemas, com mensagens de todo o país perguntando se estávamos bem. Se estávamos em casa, seguras. Também recebemos mensagens do exterior de pessoas e grupos se solidarizando conosco, com o país e repudiando a barbárie. A todos e todas, nossa gratidão.

Quem diria que o domingo começaria tão diferente…

A Ana fazendo comida gostosa para receber amigas. A Cosette praticando Tai Chi Chuan com outras 35 pessoas da Associação Being Tao e escutando palestra sobre a Cultura da Paz com a Monja Sensei. As duas com foco no autocuidado e na presença.

Sim, sabíamos que os bolsonaristas  iam  se manifestar contra o novo governo. Que os ônibus tinham chegado.  No entanto, ainda estávamos embaladas pela festa multicolor do domingo, 1º. Janeiro, com milhares de pessoas na Esplanada dos Ministérios para ver a posse de Lula. Um espetáculo de respeito, paz, com famílias inteiras passeando, cantando e confraternizando.

A primeira percepção de que o ato seria violento e com tal nível de destruição não veio pela memória recente do rastro de depredação e incêndios de 3 carros e 5 ônibus em Brasília realizados por bolsonaristas no dia 13 de dezembro.

O medo da violência chegou quando a Cosette e uma amiga foram cruzar a faixa de pedestres, saindo do parque Olhos D’Água, na Asa Norte de Brasília. Uma pessoa estava com uma camiseta vermelha. Foi como sacudir um pano vermelho em frente a um boi furioso. Um motorista acelerou e por pouco não atropelou as pessoas que esperavam para cruzar.

Era o primeiro sinal. Mas estávamos contentes por nos encontrar e almoçar juntas. Por isso, não demos a devida atenção aos sinais e a violência latente.

Era esperado que os bolsonaristas tentassem algo parecido com o atentado que ocorreu no ano passado ao Capitólio, nos Estados Unidos, que simboliza o centro do poder naquele país.

Mais exatamente em 06 de janeiro de 2021, quando os extremistas de lá questionaram o resultado das urnas. Nos EUA  houve quebra-quebra, ameaça aos congressistas que estavam trabalhando, destruição de documentos históricos. Algo muito parecido ao que ocorreu no Brasil, sem a presença dos congressistas. Também lá a extrema direita de Trump tentou derrubar o presidente eleito, Joe Biden, sem êxito.

Aqui,  mais além do quebra-quebra, da destruição de prédios públicos, de obras de arte, de equipamentos e de materiais de trabalho, uma pessoa rasgou uma copia da Constituição de 1988 tirada do STF.  O mais importante documento da história contemporânea do Brasil. Um símbolo do estado democrático. Mais uma vez, os vândalos agiram contra eles mesmos, pois é a Constituição que garante os direitos de toda a população.

Isso também mostra que nada aconteceu por acaso. Houve planejamento. Financiamento de ônibus, combustível,  dinheiro para barracas, para alimentação. Material liberado para quebrar tudo. E uma polícia militar que não viu nem ouviu a destruição dos prédios dos 03 poderes, apesar de estar ali, acompanhando.

Enquanto falávamos de temas do Coletivo, ríamos, brincávamos e brindávamos à vida, faltava pouco para os sinais de Whats App começarem a soar. Não foi fácil atravessar a cidade de volta para casa sob o ruído das sirenes ou mesmo ter certeza sobre qual era a melhor rota.  Nem sair perguntando para as pessoas mais próximas se estava tudo bem.

Chegamos em casa seguras, apesar dos desafios à jovem democracia brasileira. Apesar das horas em frente da TV e nas redes sociais digitais. Apesar das pessoas pedindo informações. Apesar da eletrecidade no ar.

Quem não esteve seguro foram os jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas que estiveram na linha de frente. Elas e eles possibilitaram que o mundo inteiro acompanhasse de perto o projeto de destruição nacional defendido por Bolsonaro e seus seguidores.

De acordo com o Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, 8 profissionais foram ameaçados e agredidos neste domingo. E os equipamentos foram roubados, apagados ou destruídos.

Três eram mulheres. Uma repórter do jornal Metrópoles foi espancada por 10 homens. Uma repórter da revista New Yorker foi agredida a chutes e jogada no chão. E uma veterana jornalista do portal Brasil 247 foi cercada e ameaçada por um grupo de bolsonaristas.

Essas três mulheres representam a violência cotidiana contra as mulheres no Brasil. Não foi por acaso que o que ocorreu ontem. Nem nos dois primeiros dias do ano quando 4 mulheres foram assassinadas no Distrito Federal por aqueles que diziam amá-las e respeitá-las.

Mesmo com o susto e a violência, seguimos amorosamente respeitando a Constituição. E esperando justiça.

 

 

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