Sobre a Esperança

Publicado em Cuidado e Autocuidado

Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Iniciamos 2023 com (muita) esperança. E queremos começar este texto refletindo sobre como se constroi a esperança.

No Coletivo Filhas da Mãe ela é construída diariamente com o apoio de várias mãos, olhos, bocas e corpos. Olhando para os lados, para trás e pra frente. Tentando compreender o contexto de cada situação e observando como podemos contribuir para melhorar as nossas vidas sem esquecer o entorno.

A esperança se constroi com pessoas que, para além de suas próprias dores, olham para os outros e se mobilizam para contribuir para um mundo melhor. Seja ao ofertar um sorriso, apoiar alguém que precisa de atenção por algumas horas, dar uma carona ou emprestar uma cadeira de rodas.

Essas pessoas não ficam paralisadas. Elas buscam não se perder em seus medos, dores e desafios cotidianos, como se fossem os únicos e maiores problemas do mundo. Tampouco se contentam em receber o olhar de pena das outras pessoas pelos problemas que enfrentam.

São cuidadoras, mas não querem ser chamadas de coitadas. Ou receber o olhar de “pobrezinha”.

Para cultivar a esperança é preciso olhar para o lado, para além das dificuldades pessoais ou familiares. Existe um vasto mundo depois da porta de cada casa. E, as vezes, é preciso abrir a porta para ampliar o olhar. E o mundo.

Isso significa encarar a vida, as questões cotidianas. E, ao mesmo tempo, não perder o olhar amoroso sobre o coletivo, levando em conta as necessidades das outras pessoas e que elas também passam por vários níveis de desafios e dificuldades.

Esperança, cuja raiz indo-européia é SPE, significa expandir, aumentar, ter êxito. No latim é SPES, confiança em algo muito positivo. SPES também deu origem a palavra Sperare, que, por sua vez, possibilitou o surgimento do verbo esperar. Em latim, sperare significava ter esperança.

Nós, do Coletivo Filhas da Mãe, conjugamos o verbo esperançar, como propôs Paulo Freire, patrono da educação brasileira.

Segundo o educador, é preciso ter esperança do verbo esperançar e não do verbo esperar porque a esperança do verbo esperançar se estimula, se cria. É ativa e participativa. Já a esperança do verbo esperar fica no desejo, esperando que algo ocorra. Espera pelo outro. Pode até se tornar dependente. É uma esperança passiva.

Para Paulo Freire, esperançar é levantar, é ir atrás. É construir e ir adiante. É não desistir perante as dificuldades. É juntar-se com outras pessoas para sonhar juntas e juntos. E tornar o sonho realidade. É buscar novas realidades, como é possível vislumbrar em 2023.

A esperança que nos convida Paulo Freire permite sair das bordas. Convida a transbordar e sair dos limites de uma realidade muitas vezes difícil de encarar.

Sair das bordas, do conhecido, significa também estar em grupo, atuando coletivamente, pois assim ganhamos visibilidade e nos tornamos mais fortes.

Pra quem está chegando agora, sendo apresentada ao Coletivo Filhas da Mãe, somos uma rede de apoio à pessoas que cuidam familiares com demências. Também promovemos autocuidado, reflexões sobre envelhecimento, estimulamos políticas públicas de cuidado para toda família e prevenção de saúde. Veja aqui os projetos que realizamos em 2022.

Como presente de ano novo temos uma história pra contar que retrata o espírito solidário do Coletivo Filhas da Mãe.

Uma apoiadora do Coletivo, cuja mãe faleceu com Alzheimer, se prontificou a cuidar uma pessoa doente na noite de Natal. Não dava pra trazer a mãe de volta, mas seria possível contribuir para que uma outra cuidadora pudesse descansar nessa noite especial.

Dois dias antes do Natal, uma participante do Coletivo testou positivo pra Covid-19 e pediu ajuda no grupo do WhatsApp, pois precisava de isolamento e não poderia cuidar da mãe. Aproximamos as duas Filhas da Mãe.

A cuidadora “de Natal” ficou conversando com a paciente com demência (que quase não falava mais) até quase 22h40. A família pode se sentir tranquila e ocorreram momentos gratificantes para todos, inclusive para a cuidadora familiar que testou positivo para Covid-19. Ela pode se recuperar e se sentiu acolhida.

Em termos coletivos, propomos o estímulo e desenvolvimento de uma cultura nacional do cuidado que atue transversalmente. Ou seja,  seja intergeracional, estimulando o diálogo entre diferentes gerações. Que amplie a participação dos homens e não sobrecarregue mais as mulheres que atuam no cuidado. Que valorize as pessoas idosas e o envelhecimento ativo e cidadão. Mas principalmente que inclua as cuidadoras, sejam elas informais (familiares, amigas e vizinhas) ou profissionais, garantindo direitos sociais para todas, inclusive para a cuidadora familiar com 60 anos ou mais.

Em 2022 fomos resistência. Em 2023, somos esperança!

PS: Em dezembro lançamos o primeiro livro do Coletivo: “Filhas da Mãe com Muito Orgulho, Apesar da Pandemia e das Demências”. Em Brasília o livro pode ser comprado na Livraria e Cafeteria Sebinho (406 Norte). Nos demais estados e no exterior, pode ser adquirido no site do Portal do Envelhecimento (link aqui)

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