Ana Castro, Cosette Castro & Convidada
Brasília – Uma das grandes dificuldades as que as famílias encontram quando um parente começa a apresentar perda cognitiva e outros comportamentos diferentes, como se tornar mais agressivo, ter esquecimentos ou mesmo se perder, é chegar a um diagnóstico.
Levando em conta esse desafio, convidamos a médica Andrea Prates, gerontóloga, especialista em promoção de saúde que há cerca de 40 anos estuda envelhecimento, para escrever sobre o tema. Como lembra nossa convidada, o diagnóstico é complexo e uma investigação detalhada.
Andrea Prates – “Desde que comecei a estudar envelhecimento, não há nada que tenha mudado mais do que o conhecimento sobre o cérebro e doenças neurodegenerativas. Ainda há, entretanto, pontos importantes que não foram elucidados.
As demências são consequência da deposição de determinadas substâncias proteicas no cérebro. Ao identificá-las, tivemos avanços na verificação dos mecanismos envolvidos no seu desencadeamento. Se antes buscávamos conhecer as áreas encefálicas que sofriam mudanças estruturais, hoje indagamos quais proteínas estão presentes em cada fase.
Com isso, temos um diagnóstico biológico que, associado ao clínico, caracteriza os estágios que se sucedem na doença, em um continuum patológico. Da fase pré-clínica, temos um período inicial totalmente assintomático, seguido por um declínio cognitivo sutil, e posteriormente objetivo, levando a um leve comprometimento funcional. Nos estágios posteriores, temos a demência clínica em suas fases leve, moderada e severa, com quadros sintomáticos e progressivos de perda de memória e função.
Hoje, há consenso que as demências têm um longo período de evolução, de cerca de 20 anos, antes da manifestação clínica após a destruição celular. Por isso a necessidade de atuar em fatores de risco e proteção, modificáveis, ao longo das fases da vida. E, ter o diagnóstico o mais cedo possível, possibilitando definir intervenções que podem contribuir de forma mais favorável ao curso da doença.
O diagnóstico é complexo. Ao contrário de outras patologias, que podem ser identificadas através da clínica e exames laboratoriais, a síndrome demencial exige uma investigação mais acurada.
O que poucos entendem é que, neste caso, o diagnóstico é um processo e compreende etapas, pois só seria confirmado pela análise do tecido cerebral, após a morte.
Inclui avaliação médica ampla, com o levantamento da história pessoal e familiar do indivíduo. Passa pela exclusão de outras doenças que podem cursar com quadros semelhantes, como depressão e outros problemas de saúde mental, infecções, distúrbios metabólicos, carências nutricionais, intoxicação, traumatismo craniano e outras doenças neurológicas.
É necessário aplicar testes psicológicos de estado mental e função cognitiva, verificar exames laboratoriais capazes de detectar condições que podem afetar a função cerebral, e exames de imagem, que conseguem verificar a existência de problemas neurológicos e mostrar eventuais modificações na estrutura cerebral.
A detecção de biomarcadores, como a proteína TAU no líquor (líquido cefalorraquidiano), permite fazer o diagnóstico com mais fidedignidade, apesar de ter restrições em alguns casos.
O uso de modelos de inteligência artificial tem mostrado potencial auxílio no diagnóstico, especialmente por detectar vários parâmetros funcionais simultaneamente.
Infelizmente, apesar de promissoras, muitas técnicas não estão disponíveis na prática clínica. E os desafios são enormes, a começar pelo fato de poucos médicos, além de especialistas, terem conhecimento e/ou habilidade para o diagnóstico. Os exames mais sofisticados de imagem e os biomarcadores existem apenas nos grandes centros, não são cobertos pelos planos de saúde e têm custo elevado. São reservados para rastreio de pacientes para inclusão em estudos e monitoramento de respostas a drogas.
Os progressos são notáveis. Porém, os desafios envolvendo o diagnóstico permanecem. Além de muito estudo, é preciso tempo, envolvimento, observação. E, sobretudo, sensibilidade apurada no entendimento de cada indivíduo e sua dinâmica de relações.
Se ARTE significa técnica ou disposição para a execução de uma finalidade prática ou teórica, realizada de forma consciente e racional, não vejo melhor forma de retratar a investigação e o acompanhamento de um portador ou portadora de síndrome demencial.
Este não é o diagnóstico de um indivíduo. Estende-se ao seu coletivo familiar e social. Requer empatia. Demanda decisões em âmbitos pessoais, familiares, sociais e jurídicos. Exige reverência à história, honra à biografia, respeito às escolhas – sempre que possível – da pessoa à nossa frente. Faz todos nós mais humanos. E isso é uma verdadeira arte”.
Nós, do Coletivo Filhas da Mãe, também acreditamos que é preciso avaliar cada paciente de forma integral, levando em conta sua realidade, o contexto onde vive, respeitando sua história familiar e origens. E que precisamos urgentemente formar profissionais da área da saúde sobre as demências que tenham condições de fazer um diagnóstico respeitoso. Humano.
PS: A doutora Andrea Prates tem uma página web sobre envelhecimento, em especial envelhecimento feminino (leia aqui).
PS1: Acabamos de lançar o livro “Filhas da Mãe Com Muito Orgulho, Apesar da Pandemia e das Demências”. Você pode comprar seu exemplar em todo país no site da Portal Editora (link aqui) e em Brasília diretamente na livraria Sebinho (406 Norte).