Hora de Soltar

Publicado em Cuidado e Autocuidado

Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Na semana de finados, de chuva e tempo frio, vale a pena perguntar: quanto tempo demora para dar o click e aceitar que já é hora de começar a tratar o familiar enfermo com cuidados paliativos?

Estamos falando do difícil, e muitas vezes longo, processo de aceitação da hora de soltar, abandonar a tentativa de controle, permitindo que o familiar doente possa descansar. O preparo para o momento de descanso pode ser feito com qualidade, com cuidado e amorosidade.

Permitir o descanso final, possibilitando cuidados paliativos, leva tempo. Dá culpa, medo, vergonha. E receio do que os outros vão pensar. “Não quer cuidar”, “quer se livrar do familiar” são algumas críticas e falta de compreensão de quem olha de fora, sem a responsabilidade do cuidado diário. Mas também pode dar alívio e a sensação de respeito e dever cumprido.

Para chegar a essa compreensão, é preciso antes o autocuidado.

Ele é essencial para a saúde física e emocional das cuidadoras familiares. Inclui alimentação nutritiva, sono de qualidade, exames anuais, exercícios frequentes, vida social e, acompanhamento terapêutico. Individual ou em grupo.

Em geral, as cuidadoras familiares,  dão atenção à rotina de alimentar, higienizar e medicar. Talvez realizar alguma atividade com a pessoa doente, como passear ou caminhar. E isso já é bastante cansativo.

Dificilmente sobra tempo para pensar na morte e na finitude. Olhar o processo de finitude do outro, particularmente alguém que gostamos, simbolicamente significa se olhar no espelho. É o (duro) reflexo da nossa própria finitude.

Se já é difícil acompanhar a finitude de um familiar, é muito pior encarar o próprio envelhecimento e  finitude.

É mais fácil não pensar ou lembrar que todas temos, sim, um prazo de validade. E algum dia ele também vai expirar, com qualidade de vida. Ou não. Vai depender de como cada uma de nós trata a si mesma hoje.

O processo de acompanhar a finitude é mais doloroso quando a pessoa não tem acompanhamento terapêutico, nem está acostumada a observar e reconhecer seus sentimentos. Às vezes é difícil reconhecer a própria dor que – por não ser reconhecida – pode se manifestar em forma de sintomas: insônia, depressão, autolesão, compulsões, fibromialgia, dores de cabeça, etc.

É algo similar ao começo da doença de um familiar. A pessoa enferma envia sinais, mesmo inconscientes. Mas a família em geral tem dificuldade de se dar conta. De notar que algo está diferente.

Começa com os esquecimentos de coisas recentes. Com desaprender ruas e bairros. Com não saber mais dirigir. Não saber mais lidar com a conta bancária e com senhas. Ou aparecem  “novas manias”: criar muitos bichos, mudar radicalmente a forma de vestir. Sem contar uma possível perda do freio social, com comentários ou ações inadequadas.

Muitas vezes temos dificuldade de perceber os primeiros sinais da doença, porque dói muito. Não temos mais o controle da situação. Nem da nossa vida, nem do familiar.

Isso também ocorre no final. Algumas cuidadoras ajudam a manter o familiar vivo por 10, 15, 20 anos, como um ato de cuidado e amor, mesmo que o enfermo não se levante mais ou não reconheça mais ninguém.

Ou que não queira mais comer e beber, em um sinal de que está chegando a sua hora. O corpo do familiar também envia sinais. Ainda assim, em geral, ampliamos a vida com sonda gástrica. Mesmo que a familiar arranque várias vezes aquele objeto estranho no seu corpo. Ou com aparelhos para respiração artificial. Mesmo que a pessoa não queira ou não consiga mais respirar.

Apesar de todos os sinais, ainda temos medo dos cuidados paliativos. Mesmo sem conhecimento sobre o tema. Ainda que 9 em cada 10 brasileiros e brasileiras enfrentem uma doença grave antes de morrer. É a falta de conhecimento que gera preconceito e descaso.

Como alerta a geriatra Ana Claudia Arantes a falta de acesso a esse tipo de cuidado beira a catástrofe no Brasil. Ela afirma que cuidados paliativos são de ordem física, emocional, familiar, social e espiritual. São desenvolvidos por uma equipe multiprofissional qualificada para assistir portadores de doenças graves ou que ameacem a vida.

Os cuidados paliativos abrangem todos os recursos diagnósticos e terapêuticos disponíveis para ofertar suporte à qualidade de vida do paciente e do seu entorno. A ideia é aliviar e prevenir o sofrimento na evolução da doença, entender o processo de despedida, dando apoio a quem fica no período de luto.

A vida pede respeito e dignidade. A morte também. Precisamos falar e aprender sobre esse assunto tão delicado.

Também seria salutar aprender a fazer o testamento vital (conheça aqui) deixando claro quais procedimentos desejamos que sejam realizados (ou não) quando ficarmos doentes. Com dependência ou não. Um tabu que o envelhecimento acelerado precisa superar.

PS: No sábado, dia 5, haverá o lançamento em Brasília do livro Tratado dos Ventos na Maré Cheia, da poetisa Cristiane Sebastião, na livraria Circulares (CLN 113, bloco A, loja 7), às 17h.

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