Quanto Valem Nossas Rugas?

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Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Viver em um lugar que nega ser um dos três países que envelhece mais rapidamente no mundo não é fácil. Ao lado do Brasil está a China e Taiwan.

O Brasil parece não ter saído da síndrome de Peter Pan. Segue se negando a envelhecer.

Isso ocorre com o apoio e omissão do governo federal. A população é incentivada a (tentar) manter-se eternamente jovem.

Como isso é algo impossível de ocorrer, aumenta a sensação de imperfeição entre homens e mulheres. Mas principalmente entre as mulheres, convocadas a exibir caras, bocas e corpos jovens, magros e brancos.

Ou o mais branco possível. Não por acaso milhares de mulheres brasileiras (ainda hoje) seguem alisando o cabelo em uma tentativa de esconder suas origens. Com isso negam a maravilhosa contribuição de uma população majoritariamente mestiça, formada por pessoas de origem indígena, negra, europeia e asiática.

Esse “modelo de perfeição” é uma vitória dos colonizadores europeus. Foi introjetada durante séculos até hoje.

É reforçada pela publicidade nacional, pelos filmes e séries brasileiras, estadunidenses e europeias onde acabamos acatando como correto um modelo de beleza diferente que apaga a diversidade das nossas belezas. Mas não se engane. Isso não é natural. Nem verdadeiro.

Nesse “modelo de perfeição” distorcido não há espaço para celulite ou estrias. Para usar óculos. Muito menos para pés de galinha ou rugas.

Exige dentes perfeitos e aí está a boca de milhares de pessoas em todo o Brasil com aparelhos, independente da idade. A febre da perfeição direcionada aos dentes, deixa boa parte endividada pelo custo dos tratamentos e promessas.

Exige peles lisas. Ainda que sob o efeito temporário do botox, dos fios de ouro subcutâneos para “sustentar” a pele, dos preenchimentos, da lipoaspiração ou das cirurgias bariátricas. E outras cirurgias estéticas que cortam e recortam os diferentes corpos a partir dos 18 anos buscando narizes, bocas, seios, bundas e até (pasmem!) vaginas “perfeitas.

A tirania do “modelo de perfeição” é uma violência cotidiana contra a diversidade dos nossos corpos e têm contribuído para aumentar a ansiedade e a depressão. Muita gente se sente “fora do lugar, fora do padrão”. Além disso, escuta “brincadeiras”, sofre bullying e chacota pelo corpo que habita.

Não basta pintar o cabelo ou usar saltos que machucam os pés para “manter a elegância”. Há pouco tempo as sobrancelhas foram punidas pela sua imperfeição. E um novo modelo foi adotado como “certo”.

Nem os cílios foram poupados. Sequer eles podem ser naturalmente …cílios. Em todo país existe uma corrida para buscar o ideal de perfeição e beleza do momento.

Esse “modelo de perfeição” distorcido tornou os corpos das mulheres um lugar de dor e não de prazer. E não estamos falando nos referindo aos processos de depilação a cera bastante dolorosos. Há um apagamento da natureza e diversidade dos nossos corpos. Como seres humanos somos imperfeitas. Sequer o lado esquerdo é igual ao direito. Mas essa imperfeição natural não é permitida em uma sociedade marcada pelo consumo e pela competitividade.

E o que falar das rugas, das papadas, das mãos enrugadas pelo passar do tempo? São execradas, escondidas e negadas. Particularmente pelos mais jovens, que se apavoram com a ideia do envelhecimento.

Nós, que já passamos dos 60 anos, agradecemos a possibilidade de estarmos vivas, atuantes e saudáveis em um país com tamanha desigualdade social.

Enquanto isso, não há política nacional de cuidado. E o Estatuto da pessoa idosa, apesar de ser considerado um dos mais avançados do mundo, ainda não foi totalmente implementado.

Na semana passada, finalmente um candidato falou séria e publicamente sobre envelhecimento no Brasil. Lula foi o único candidato a se manifestar sobre envelhecimento ativo e cidadão, com qualidade de vida.

Para Lula, “não tem idade para gente fazer política pública para as pessoas. Tudo que a gente fizer para uma pessoa idosa é a contraprestação de serviço pelo que a pessoa já fez pelo país, pela cidade, pela sua família”.

Ele mesmo se reconhece como pessoa idosa e diz isso com muito orgulho. Conversando com pessoas idosas, contou os planos sobre políticas para cuidadores e o serviço de cuidado público para atender a população. De aumentar o orçamento do SUS e as aposentadorias.

Mais do que tudo falou de respeito. E agradeceu a contribuição dos 37,7 milhões de brasileiras e brasileiros que ajudaram a construir o país. Muitos  deles  são obrigados a seguir trabalhando devido ao baixo valor das aposentadorias.

No dia 1o. de outubro, sábado,  ao comemorarmos o dia internacional da pessoa idosa, o fazemos com  a esperança de que o Brasil vai voltar a sorrir.

Quanto valem as nossas rugas?

Em 2023, com a nossa contribuição, elas podem valer muito mais. Sem ter vergonha de esconder a idade em qualquer idade e de ser feliz.

Cosette Castro

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