Ana Castro & Cosette Castro
Brasília- O Brasil está em luto. Ontem faleceu a Elza Soares, aos 91 anos. Faleceu como desejava, em casa.
Morreu em 20 de janeiro, no mesmo dia de Garrincha, seu grande amor. E no mesmo dia de S. Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro, cidade que a viu nascer em 1930, quando começava a era Vargas no Brasil.
Este é mais do que um luto individual, de fãs. É um luto coletivo.
Elza Soares deixou fãs por onde passou.
Entre os que gostam de samba e de jazz, entre pessoas de todas as idades. Foi uma cantora intergeracional. Agradava os avós, filhos e filhas e também os netos e netas jovens e adolescentes.
Deixou fãs também em todas as classes sociais, em diferentes línguas e países. Não por acaso foi eleita pela Rádio BBC, de Londres, a cantora do milênio, considerada a artista que representava os anos 2000 com sua voz arrepiante.
Tinha fãs entre quem gosta de música eletrônica, de hip hop e de funk. Foi uma artista camaleônica. Se atualizava, transformava e vivia de acordo com o seu tempo. Uma mulher brasileira no Planeta Fome, título do último álbum, lançado em 2019.
Elza representou todas as mulheres, que também se encontram em luto coletivo. Mulheres a quem Elza defendia e denunciava os diferentes tipos de violências (física, psicológica, sexual, moral, patrimonial, financeira) e os assassinatos. Violências que ela também vivenciou no decorrer da vida, mas teve coragem de denunciar, se tornando referência para as novas gerações.
É um luto coletivo de raça, a raça negra, violada há séculos, massacrada e dolorida. Elza cantava a resistência com sua voz rasgada de raiva, dor e vida. “Racismo é crime e precisa ser denunciado”. Inclusive em forma de canção. Este foi o caso da música Carne, lançada em 2002.
A cantora, que sentiu a pobreza e o preconceito na pele, era um ícone da comunidade LGBTQIA+. Em seu último disco, a música Não Recomendado conta o horror e a perseguição que sofrem. Em suas entrevistas, costumava dizer “falo pelas mulheres, pelos negros e pelos gays”. E usava sua fama contra a violência e a homofobia.
Foram 34 discos lançados por uma jovem que passava fome e mal tinha o que vestir em 1960. Com uma voz incomparável, Elza Soares passeava por diferentes ritmos com esplendor. E também com empatia e preocupação pelas populações fragilizadas.
Para além da defesa e cuidado com os outros, Elza Soares defendeu seus direitos e praticou o autocuidado com muita garra.
Trocou o cabelo alisado pelo cabelo afro. Assumiu perucas louras, douradas, rosas e azuis com ousadia e naturalidade. Fez quantas plásticas pode pagar e deu espaço para o amor, independente da idade.
Uma vez disse em um show que se matava de trabalhar para ter grana, mas não podia comer o que conseguia pagar para não perder o corpinho. Ao falar de si, falava da ditadura da estética e da moda. Uma moda que transgrediu ao exibir modelos exuberantes.
Em 2019, um ano antes da pandemia por Covid-19, Elza Soares foi enredo da Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel, no Rio de Janeiro. Os 89 anos de idade não assustaram nem diminuíram a vitalidade da artista que desfilou como destaque no último carro alegórico.
Elza Soares foi uma mulher a frente do seu tempo, mesmo na velhice. Desconstruiu a figura da vovozinha pacata, cuja vida se encaminhava para o final. Ou que a vida se resumia aos netinhos. A artista seguiu refletindo, vivendo, trabalhando e produzindo arte, até o final. Tinha agenda lotada de shows até o final de 2022 mostrando que o envelhecimento é apenas uma outra fase da vida.
Em entrevista para a Folha de São Paulo, Elza disse: ” Meu nome é agora. Eu acredito que para fazer o bem tem que fazer o bem hoje. Não da pra deixar para amanhã o que pode fazer hoje. Faça já. Eu faço o meu bem agora, não deixo para depois. Eu não sei o que será de mim depois.”
Nós, do Coletivo Filhas da Mãe, acreditamos no envelhecimento ativo, criativo e com dignidade. Elza Soares mostrou até os 91 anos que isso é possível e pode ser uma experiência extraordinária.
Em tempo: LGBTQIA+ é a sigla de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais/ travestis, queers, intersexos e assexuais. Ou seja, de pessoas que não entendem a heterossexualidade como único espaço possível de existência.
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