Quem vai salvar o hospital universitário?

Publicado em políticas públicas de cuidado

Ana Castro, Cosette Castro & Convidado

Brasília – O descaso com a pessoa idosa assume diferentes formas no Brasil. Nacionalmente, aparece com os cortes orçamentários do SUS e com a falta de uma política nacional de cuidados.

No Distrito Federal, aparece com o desmonte do Conselho  dos Direitos do Idoso (CDI) ou com a crise do Hospital  Universitário de Brasília (HUB), em especial do Centro Multidisciplinar do Idoso (CMI), que oferece atendimento gratuito à população.

Para refletir sobre a crise no CMI convidamos o professor da Universidade de Brasília (UnB), Otávio Nóbrega, que também é diretor científico da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

Otávio Nóbrega – “A série de negligências cometidas pela administração do Hospital Universitário de Brasília (HUB) superou o limite do aceitável neste novembro de 2021.

E estamos falando do maior serviço de formação profissional em saúde do DF, certificado como Hospital de Ensino, e que atua como referência para atendimento à saúde de média e alta complexidade.

Prestes a completar 50 anos de existência (fundado em 1972), o HUB é uma potência em serviços de saúde. Conta com 238 leitos ativos, abrange 45 especialidades médicas, mantém 27 programas de residência médica e multiprofissional, realiza procedimentos complexos como transplantes de rim e córnea, implantes cocleares e cirurgias oncológicas de grande porte.

O HUB mensalmente realiza 13.000 consultas ambulatoriais, 800 internações, 100 partos de alto risco, 500 cirurgias, 1.000 exames histopatológicos, 200 exames endoscópicos, 500 ressonâncias magnéticas, 500 tomografias computadorizadas, 400 ecografias e 50.000 exames laboratoriais.

Entretanto, nem este portfólio de competências e nem a vocação para a excelência acadêmica são páreos para fazer frente aos efeitos danosos provocados pela falta de gestão competente e desatenção para com problemas cotidianos. Estou me referindo à agonia pela qual passa o Centro de Multidisciplinar do Idoso (CMI), o serviço especializado de atenção às pessoas idosas de maior relevância no DF.

Perto de completar 20 anos em 2022, este serviço é o mais importante campo de estágio e formação para profissionais que desejam se qualificar para atendimento a pacientes com doenças crônicas do envelhecimento.  Sobretudo para os transtornos demenciais, entre eles o Alzheimer. Ele figura entre os mais destacados centros de referência do país, segundo o Ministério da Saúde.

O CMI funciona basicamente com 3 médicos geriatras efetivos e 2 preceptores de residência médica que, em companhia de outros 6 médicos residentes, realizam cerca de 180 consultas ambulatoriais ao mês, mantendo 1 programa de residência médica em Geriatria. Pesquisas de impacto que são citadas internacionalmente são realizadas de forma rotineira no CMI.

São cerca de 1.200 pacientes idosos beneficiados por ano com a excelência clínica prestada pelos profissionais lotados do serviço. Entretanto, o Centro Multidisciplinar do Idoso enfrenta problemas tão básicos que chega a causar constrangimento falar sobre goteiras e alagamentos.

A totalidade do mobiliário encontra-se danificado, com poltronas rasgadas, cadeiras de auditório quebradas, macas remendadas e armários com fechaduras emperradas. Os banheiros precisam ser refeitos pelos desgastes naturais de encanamentos e louças. O espaço destinado à Odontologia precisa ser reconstruído, com adaptação de janelas, da cadeira odontológica e dos mecanismos hidráulicos.

A sala de Fisioterapia precisa ser equipada com aparelhos e instrumentos para os protocolos de treinamento de marcha e de força com os pacientes idosos mais frágeis. Gesso do teto cai a todo momento em função das goteiras no telhado, e os alagamentos já viraram rotina.

Trata-se de uma série de problemas estruturais que não seriam possíveis sem uma parcela importante de negligência no mínimo culposa por parte da administração superior do Hospital, a qual veio sendo reiteradamente comunicada dos desgastes ocorridos e das necessidades no CMI.

O Brasil está prestes a iniciar a fase mais célere de seu ciclo de envelhecimento demográfico, e as demências se tornarão mais e mais  prevalentes. É difícil imaginar que o CMI pode ser fechado por insuficiência de condições estruturais e de salubridade para ofertar serviço digno à população idosa.

O serviço que já ajudou tantos pacientes e  famílias a atravessarem  o sofrimento de doenças crônicas e terminais agoniza a olhos vistos.

Aproveito para deixar registrado que farei o que estiver ao meu alcance para salvar o Centro Multidisciplinar do Idoso do ocaso que se avizinha. Isso significa, afastar até quando for possível, a pá de cal que a administração superior do HUB busca lançar, quer por ação ou por omissão, sobre o mais precioso serviço de atenção à pessoa idosa do Distrito Federal”.

Nós, do Coletivo Filhas da Mãe, acreditamos na importância e no potencial de crescimento do Centro Multidisciplinar do Idoso. Acreditamos na importância do atendimento público, da pesquisa, da formação e da prevenção, que  pode gerar qualidade de vida para a pessoa idosa e seus familiares.

Esta semana,  junto com o Fórum em Defesa da Pessoa Idosa/DF, demos o primeiro passo. Sugerimos à Procuradoria do Idoso da Assembleia Distrital/DF, a realização de um convênio com o HUB/CMI, para garantir a qualidade dos trabalhos de formação, pesquisa sobre demências,  atendimento e estrutura física digna.

 

9 thoughts on “Quem vai salvar o hospital universitário?

  1. Muita tristeza com mais um desmonte na saúde pública. Minha solidariedade a todos os profissionais e funcionários do CMI. Sugiro um abaixo-assinado e me coloco à disposição para apoiar esta causa.

    1. Olá Brígida, grata pelo retorno. Sim, um abaixo-assinado é uma boa ideia. Estamos trabalhando no sentido de criar uma Frente em Defesa do CMI.

  2. Isto é um absurdo, o nosso país tá um caus, um desgoverno total em todos os setores, precisamos dá um basta nisso, onde está a câmara distrital?

    1. Olá Zilda. Grata pela mensagem. Estamos – em conjunto com outros parceiros da sociedade civil – em contato com a Câmara Distrital, em especial com a Procuradoria do Idoso, para tentar implementar um convênio que ajude o CMI.

  3. O Hospital Universitário de Brasília (HUB-UnB) informa que recebeu com perplexidade a afirmação de que atua com negligência diante dos desafios de infraestrutura. O autor do artigo, inclusive, não possui vínculo com o HUB e tampouco procurou a instituição para debater e colaborar com soluções.

    O serviço de geriatria, conhecido como Centro de Medicina do Idoso (CMI), é uma unidade que presta atendimento importante para a população, cujo prédio existe desde 2002. Ciente dos problemas físicos existentes, o HUB tem realizado reparos constantes no espaço, dois neste ano, especialmente no telhado. Problemas estruturais da época de construção do prédio e as fortes chuvas geraram a necessidade de contratação de uma obra específica de impermeabilização do ambulatório 2, onde fica a geriatria.

    No entanto, em razão da pandemia, a maior parte dos recursos financeiros disponíveis em 2020 foi direcionada ao enfrentamento da Covid-19, mas já em 2021 foi possível conduzir o processo licitatório. O certame encontra-se na fase de recebimento de documentação da empresa de engenharia e a previsão é assinar o contrato ainda em dezembro deste ano para elaboração do projeto e execução do serviço em 2022. O valor do investimento é de R$ 741 mil. O recurso é do Programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf), gerido pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).

    Além dessa contratação específica para a reforma do CMI, o HUB também assina nos próximos dias contrato com empresa para prestar serviços de engenharia. Esse tipo de contratação permitirá a realização de obras de melhorias em todo o hospital, como revitalização de banheiros e pequenas obras de infraestrutura. A estimativa é destinar R$ 800 mil por ano para esse serviço.

    Além disso, são investidos em torno de R$ 4 milhões anuais em ações de manutenção pelo hospital. Com relação ao espaço de fisioterapia, o HUB possui centro de reabilitação com uma academia completa para atuação de profissional de educação física e fisioterapeutas.

    O HUB ressalta que tem ciência dos desafios que ainda precisam ser superados e que atua de maneira séria, responsável e colaborativa na busca pelas soluções, como tem feito com o CMI. Por fim, o hospital manifesta disponibilidade em receber quem está interessado em contribuir com a melhoria dos cenários de ensino e assistência gratuitos à população, pois acredita que a participação social é fundamental para a construção de um SUS mais forte.

    1. Prezada Assessora. Infelizmente o Centro Multidisciplinar do Idoso (cujo nome foi mudado em 2012) e seus pacientes com demências não podem esperar por reformas urgentes que só vão começar em 2022. Doentes e seus familiares precisam de atenção imediata nos diferentes setores do CMI, assim como atendimento especializado em demências. As necessidades dos pacientes demenciados não são iguais nem similares aos demais idosos atendidos no HUB. Louvamos que o HUB esteja sendo reestruturado e haja investimentos. O serviço público e a sociedade merecem. Entretanto, solicitamos que os investimentos tanto na estrutura física do CMI, no estímulo à pesquisa, quanto no aumento no número de profissionais especializados em demências sejam priorizados pelo HUB. Esta semana estaremos solicitando agenda para apresentar nossas sugestões e demandas.

  4. Triste demais esses relatos. Que esta denúncia traga melhorias para o Centro e que ele possa voltar a atender os pacientes e seus familiares em condições adequadas e humanas.

    1. Olá Vitor. Sim, muito triste. Esperamos o mesmo e que as melhorias não sejam realizadas apenas em 2022. Os profissionais, os doentes e seus familiares não podem esperar.

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