A Demência Não É Um Problema Só Seu Ou Meu

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Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – As demências estão diretamente relacionadas à política e à economia de cada país. Ainda que não pareça. Por isso, neste Blog insistimos na questão das políticas públicas de cuidado e também sobre economia do cuidado.
Mas o que significa isso?
Significa deixar de tratar as demências como se fossem responsabilidade individual ou de cada família. Essas doenças não ocorrem apenas com a gente. Não é um problema meu, seu ou nosso. Mas de todo um país, cujos cidadãos merecem respeito, consideração. E cuidado.
Doenças como as demências são diagnosticadas em pelo menos 8% da população. E devem triplicar nos próximos 30 anos, segundo a Associação Internacional do Alzheimer, AAIC, na sigla em inglês.
Este percentual pode ser bem maior no Brasil. Não dispomos ainda de políticas públicas de monitoramento dos casos existentes, como há na Inglaterra, Holanda e Estados Unidos. Também nos faltam pesquisas articuladas e quantidade de profissionais especializados em diagnóstico e tratamento das demências.
Ao contrário, temos redução orçamentária nas áreas de saúde, educação, pesquisa e ciência em geral. O descaso é tão grande que uma das agências nacionais de fomento à pesquisa, o CNPq, vem sendo desmontado desde 2019. E no final de julho, sofreu um apagão perdendo os registros de todos os pesquisadores no país. Assim como dos bolsistas de pesquisa sob sua responsabilidade no Brasil e no exterior.
O crescimento das demências está diretamente relacionado ao envelhecimento da população. No Brasil temos 37 milhões de idosos. E ainda não contamos com uma política nacional específica que atue na área de prevenção, diagnóstico e tratamento para adultos e idosos. Não por acaso, aqui no Distrito Federal nos esforçamos para aprovar o Projeto de Lei 1265/2020, que aguarda ser sancionada pelo governador.
O caso brasileiro é diferente do Chile, que possuí políticas públicas de cuidado desde cedo, voltadas para a prevenção das demências.
Ao entrar no sistema de saúde para uma consulta, cada chileno em idade adulta deve fazer exames considerados básicos para diagnosticar demências, como tomografia computadorizada ou ressonância magnética. A partir daí, essa pessoa é monitorada e acompanhada toda a vida. O que facilita diagnosticar precocemente qualquer alteração no cérebro. Ou seja, no país vizinho o governo não espera as pessoas adoecerem.
A prevenção das demências também está relacionada à qualidade de vida da infância até a velhice, a partir dos 60 anos. E aí contam vários fatores. Como a educação e os hábitos alimentares e nutricionais.
Não adianta encher o prato de comida sem variedade. A ciência já comprovou a necessidade de incluir legumes, verduras, proteínas e frutas na alimentação. E de restringir doces e refrigerantes, amplamente divulgados nos comerciais.
Um prato cheio de alimentos que provém de lavouras com pesticidas também compromete a saúde.
Mas dispomos de pouca informação oficial sobre as consequencias no organismo.
Um governo preocupado com seus cidadãos deveria garantir como política pública ao menos três refeições diárias a toda população. É preciso estar bem alimentado para estudar, trabalhar e enfrentar os desafios diários.
Mas em plena pandemia, temos, oficialmente, 14, 795 milhões de brasileiros desempregados. E nenhuma proposta para sair da crise econômica.
Se contarmos com os trabalhadores desalentados – aqueles que já desistiram de procurar emprego por falta de vagas e oportunidade – esse número chega a 21 milhões de pessoas cujas famílias não comem todos os dias. Em meio à crise, é a sociedade civil que se mobiliza para ajudar os mais fragilizados em tempos de frio e fome.
Sem se alimentar adequadamente, essas pessoas tendem a adoecer mais, ignorando se têm hipertensão, diabetes ou problemas cardíacos. Com isso, superlotam o SUS, frente a um governo que corta recursos do maior sistema de saúde gratuito do mundo.
Essa população que envelhece com poucas condições de cuidado e autocuidado, nem sempre consegue se aposentar após uma vida de trabalho precário em meio à violência urbana, poluição, em regiões carentes de infraestrutura, utilizando transportes públicos superlotados.
São grupos fragilizados que precisam ser levados em consideração nos estudos e pesquisas sobre demências, como bem lembrou a médica Amy Kind ao encerrar na semana passada a primeira sessão plenária da AAIC em 2021.
Embora as demências sejam “democráticas” no sentido de atingirem todas as classes sociais, na hora de tratar, cuidar e sustentar os pacientes elas reforçam a desigualdade. Nem todas as famílias possuem condições de assumir custos que podem comprometer de 70 a 170% do orçamento familiar, gerando endividamento e empobrecimento.
Falar em economia do cuidado significa considerar a imensa desigualdade social do país. E a desigualdade de gênero, que ainda coloca nas costas das mulheres a responsabilidade sobre o cuidado familiar, materno, de enfermos e idosos.
Trabalho invisível, sem remuneração, realizado diariamente por 52 por cento da população.
Que nenhum governo pode mais ignorar.

Cosette Castro

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