Existe Sim Vida Depois da Morte

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Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Apesar do tom religioso, o título de hoje traz uma afirmação importante. A vida das cuidadoras segue após a morte de um ente querido acometido com demência.

Mas como retomar a vida em meio ao luto e a dor? Como pensar em autocuidado?

Desde a sua criação, o Coletivo Filhas da Mãe tem estimulado o cuidado e autocuidado.  Como já comentamos anteriormente, é quase um mantra para nós. Em nossas redes sociais digitais oferecemos dicas sobre o cuidado das pessoas enfermas que podem tornar mais leve a vida de uma cuidadora familiar ou informal (como amigas e vizinhas). E desde sempre falamos em autocuidado.

O autocuidado é essencial para a sobrevivência das cuidadoras, para (tentar) manter a sanidade física e mental. Mas sabemos o quanto isso é difícil em meio ao dia-a-dia envolvente e corrido da atividade de cuidar. Ainda mais em tempos de pandemia quando a ajuda de cuidadoras profissionais, faxineiras, diaristas e domésticas foi reduzida. Ou elas simplesmente deixaram entrar na casa das famílias confinadas.

Quando afirmamos que existe vida após a morte de um paciente com demência, estamos pensando nos próximos passos da vida de uma cuidadora familiar que deixou a sua vida pessoal e profissional de lado para se dedicar a outra pessoa.

Talvez a primeira pergunta a se fazer depois de anos de uma rotina de dedicação aos outros,  seja: o que resta de dedicação a si mesma?

O que fazer do tempo livre, das horas vagas, da sensação de não ser mais necessária? Da sensação de vazio, de luto existencial?

Depois de todos os trâmites legais, é preciso retomar a vida. Aos poucos. Com direito a dias de sono. A fazer nada. Ficar apenas de pernas para cima. Sim, todas temos horas e dias acumulados de direito a um sono tranquilo.

Depois do descanso,  o próximo passo pode ser olhar para o próprio corpo e escutar o que ele anda dizendo. Ele pode se manifestar em forma de dores, de sintomas, revelando que algo precisa ser visto.

A realização de exames anuais é indicado para  pessoas acima de 40 anos, mesmo quando se usa o Sistema Único de Saúde (SUS), onde consultas e exames demoram, mas são eficazes. O ideal é  pensar em prevenção, sem esperar para ir ao médico apenas quando um problema, que pode ser silencioso, como o câncer, já estiver instalado.

E o adoecimento de quem foi cuidadora é bastante comum. Em especial, descontrole de pressão, glicemia e colesterol. Fazer uma revisão odontológica também deve entrar na agenda.

Caso esteja com sobrepeso, com quilos extras acumulados durante os anos de cuidado, quando se colocou em segundo plano, será hora de começar as atividades físicas e mudar a dieta. Isso vale também para cuidadoras abaixo do peso. Depois dos exames, é preciso conversar com profissionais para traçar uma estratégia: caminhadas, natação, dança, yoga ou  exercícios aeróbicos para ganhar massa muscular e evitar problemas como osteopatía e osteoporose.

Quanto à dieta, é necessário contar com uma nutricionista. E não ir atrás de soluções mágicas, de dicas da internet ou das amigas para um emagrecimento rápido. O que dá certo para uma pessoa, pode não ser eficaz para outra. Cada corpo tem um metabolismo, necessidades e histórias de vida diferentes que precisam ser levadas em conta.

Depois da morte de um familiar com demência, em geral, as cuidadoras se afastam dos grupos de apoio dessa área. É um momento de solidão, mesmo rodeada de outros familiares,  e de rever a vida. Tempo de fazer balanço, de pensar em como  vai viver os próximos 20, 30 anos.

Há a possibilidade de reger a própria existência, de escolher por si, embora no início isso possa parecer difícil. E não se trata apenas de pensar em sobreviver por mais um mês ou dois.

Também pode ser tempo de procurar ajuda especializada na escuta (psicanalistas, psicólogas). Para  pensar juntas sobre o vulcão de emoções que foi colocado debaixo do tapete por muito tempo e identificar até uma possível depressão. E, a partir daí, pensar no que fazer e ser nos próximos anos, sem se deixar paralisar pelo medo, pela culpa ou  pela raiva.

Há muitas possibilidades. Ficar na mesma moradia ou mudar de casa, recomeçando literalmente a vida em outra cidade ou estado. Fazer uma viagem ou ficar quieta. Voltar a estudar ou procurar trabalho. Mudar o guarda-roupa e ir aos poucos buscando novos objetivos de vida.

Um desses objetivos pode ser usar a experiência de cuidadora para ajudar outras pessoas. E até trabalhar com isso. Caso alguém queira ajudar outras pessoas que estão começando sua experiência com familiares enfermos, o Coletivo Filhas da Mãe está de portas abertas!

PS: Sincronia é tudo de bom. A amiga Miriam Morata também escreveu sobre o que fazer depois da morte do familiar.

Cosette Castro

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