Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – No Brasil, as mulheres constituem 96% do trabalho de cuidado, segundo o IBGE (2019). Por isso não estranhe se desobedecemos a língua formal – elaborada no tempo em que as mulheres tinham pouca representação e voz – quando as palavras apareciam majoritariamente no masculino.
Falamos no feminino. Não apenas porque somos maioria. Mas porque trabalhamos 24 horas por dia, sete dias na semana, em total anonimato e invisibilidade. Uma tentativa de dar espaço e reconhecimento a essas mulheres, um universo do qual fazemos parte.
Embora seja extremamente solitário e com uma carga de responsabilidade raramente compartilhada, o trabalho não remunerado do cuidado pode trazer surpresas, principalmente quando nos articulamos e nos unimos, agora virtualmente.
Muitas de nós contamos com a ajuda de amigas, parentes e vizinhas para tornar suportável o trabalho de cuidar. Participamos de grupos e passamos depois a multiplicar essa rede de solidariedade. A exemplo do Coletivo Filhas da Mãe, criado no final de 2019, e coordenado por um grupo de mulheres cuidadoras e ex-cuidadoras familiares.
São diversos os perfis e relações de trabalho em nosso país. A começar pelas cuidadoras familiares, um mundo que se amplia a medida em que a sociedade envelhece.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2019) o trabalho de cuidar pode ser remunerado ou não. Mas no Brasil, o cuidado familiar é essencialmente gratuito.
A OIT considera dois tipos de atividades de cuidado. As diretas, que envolvem cuidar e alimentar uma criança, uma pessoa enferma ou um idoso (ou todos ao mesmo tempo). E atividades indiretas, como limpar, lavar, fazer compras e organizar a casa. Tarefas realizadas por mulheres e, dependendo da classe social, trabalho gratuito que começa para as meninas, por volta dos 14, 15 anos .
Existem também as cuidadoras profissionais, cuja profissão aprovada no Congresso em 2019, foi vetada pelo governo Bolsonaro. A maioria trabalha na informalidade (sem carteira assinada), recebendo por plantões incompatíveis com a legislação trabalhista. Ou carteira assinada como doméstica. Ou ainda, de forma mais precária, terceirizadas por empresas que recebem parte do salário pela intermediação.
Em países como o Brasil, Argentina, Colômbia e Uruguai, o trabalho remunerado de cuidado de crianças e idosos é realizado por trabalhadoras domésticas, mensalistas ou diaristas, segundo a socióloga Nadya Guimarães, da Universidade de São Paulo (USP).
Nem todas são capacitadas para desempenhar as funções. Muitas dessas profissionais já foram cuidadoras familiares e aproveitam a experiência pessoal para atuar como cuidadora remunerada.
No país existe um déficit de cuidadoras profissionais e isso também ocorre no Distrito Federal. No total há 1,5 milhão de cuidadoras domiciliares remuneradas e ainda assim a busca por essas profissionais aumentou 275% entre 2012 e 2019. Tampouco isso aconteceu por acaso: o país – embora não reconheça – está envelhecendo rapidamente.
Existem, no entanto, categorias de cuidado pouco conhecidas.
Um exemplo é a de cuidadores sociais, majoritariamente feminina. São contratadas por algumas prefeituras e podem ter formação de nível médio ou fundamental. Atendem enfermos ou idosos em secretarias ou instituições. A atividade é reconhecida pelo Ministério do Trabalho, mesmo sem reconhecimento formal como profissão.
Outra categoria é a cuidadora informal, atividade desempenhada por amigas e vizinhas, de forma gratuita.
Elas ficam atentas às necessidades de pessoas idosas ou enfermas, como aquelas que têm demências, entre elas o Alzheimer. Ou que tenham outras doenças, como o câncer. Acompanham nas consultas médicas e em exames, telefonam para familiares que moram longe, fazem compras, preparam refeições, checam a medicação e até pagam pelos remédios.
No Coletivo Filhas da Mãe temos pelo menos cinco casos de pessoas que cuidam – em diferentes níveis – de suas amigas, ainda que a pandemia tenha reduzido as atividades a telefonemas, mensagens de Whats App e contato por áudio e vídeo.
Outro perfil de cuidador, neste caso indireto, é o porteiro do prédio, acostumado a “ficar de olho” nos moradores que vivem sozinhos, em especial, os idosos. Em 2010, uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), inclusive no Brasil, identificou a importância do papel desses profissionais na qualidade de vida dos mais velhos.
Em um país sem políticas públicas de cuidado, quer seja para crianças, enfermos e idosos, muito menos para apoiar as cuidadoras, o que existe são as relações solidárias de amigos, vizinhos, instituições religiosas, porteiros e, principalmente, grupos de apoio, revelando a importância da comunidade no cuidado e no estímulo ao autocuidado.
E você, que tipo de cuidado você presta ou recebe?
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