Entrevista: José Eduardo Sabo Paes, Procurador distrital dos direitos do cidadão e coordenador da força-tarefa contra a covid-19
Estamos com 6 meses de pandemia, 3 mil mortes e mais de 180 mil casos. Qual a sua avaliação sobre o gerenciamento das ações de saúde para conter a propagação do novo coronavírus?
Vamos retornar ao período do início da pandemia, em março. Naquela ocasião, observamos que o GDF agiu prontamente, adotando medidas e protocolos para evitar a disseminação local do coronavírus.
No entanto, com o passar dos meses, percebemos certa dificuldade por parte dos gestores em lidar com questões pontuais relativas ao enfrentamento da pandemia.
Em parte, essa dificuldade decorreu do próprio desconhecimento do comportamento do novo vírus. Isso pôde ser verificado também em outros estados do país.
Como exemplo, mencionaria a situação dos leitos de UTI, que precisaram passar por ajustes para melhoria das condições de atendimento dos pacientes contaminados pela covid-19.
Houve também necessidade de modificação dos mecanismos de transparência nas informações prestadas pelo governo à sociedade sobre a taxa de ocupação dos leitos disponíveis na rede hospitalar, pública e privada.
Como foi o trabalho da força-tarefa do MPDFT?
A Força-Tarefa do MPDFT atuou bastante junto à área de saúde do governo para garantir a melhoria dessa transparência e o atendimento hospitalar adequado aos cidadãos que contraíram o coronavírus.
Temos a segurança de que esse trabalho foi determinante para a melhoria da qualidade das informações e do serviços de saúde relacionados à covid-19.
O resumo de toda a situação é o seguinte: temos que reconhecer o impacto terrível da pandemia sobre a saúde, mas também devemos entender que as ações e medidas tomadas até o momento evitaram um cenário que poderia ter sido muito pior.
Como a força-tarefa do MPDFT ajudou na fiscalização e na definição de medidas para reduzir o impacto da pandemia?
Logo no início da pandemia, dissemos publicamente que seríamos parte do esforço interinstitucional para mitigar a terrível situação que já se apresentava em razão da crise sanitária.
E foi exatamente dessa forma que o MPDFT, por meio de sua Procuradora-Geral, Fabiana Costa, e da Força-Tarefa e seus membros, atuou.
Mantivemos diálogo constante com os gestores governamentais para auxiliá-los na busca de soluções para os problemas que surgiram ao longo desses últimos meses.
O diálogo funcionou?
Esse diálogo foi positivo e gerou soluções concretas que minimizaram as consequências negativas da pandemia para a população do Distrito Federal.
Em algumas situações, é claro, o Ministério Público precisou utilizar as ferramentas que a legislação coloca à sua disposição para proteger os direitos dos cidadãos.
Propusemos ações judiciais, expedimos dezenas de recomendações a autoridades e órgãos do GDF, além de um número expressivo de requisições de informações.
Também estivemos in loco em diversos hospitais e em outras unidades da rede de saúde para inspecionar as condições de atendimento.
Vamos lembrar que a atuação do MPDFT gerou, entre outros pontos, a melhora na transparência das informações prestadas pelo governo sobre a real situação dos leitos de UTI e dos medicamentos disponíveis aos pacientes com covid-19 na rede hospitalar.
Do mesmo modo, resultou na disponibilização de um maior número de ônibus no sistema de transporte, e de melhor higienização dessa frota em razão da pandemia.
Igualmente, a ação do MPDFT foi fundamental para prover os trabalhadores da assistência, da saúde e da segurança pública dos equipamentos individuais necessários para protegê-los da contaminação pelo coronavírus. Esses são apenas alguns exemplos dos resultados do trabalho da Força-Tarefa do MPDFT.
Em relação ao resto do país e do mundo, o DF está em que situação na pandemia em termos de ações do poder público?
Creio que, de modo geral, o DF esteja bem posicionado. Além de sediar os poderes da República, somos centro da migração interna.
Milhares de pessoas, vindas do país inteiro, circulam nesta região. As medidas de contenção da doença, sem dúvida, foram impactadas por esse contexto.
Apesar disso, nosso sistema de saúde não chegou a entrar em colapso como se viu em outros estados da Federação.
Temos uma alta taxa de pessoas recuperadas da doença, índice que tem crescido positivamente nas últimas semanas. Observamos também que o número de mortes diárias tem caído.
Conta a nosso favor a sintonia entre os poderes da União e do DF e a implementação rápida de medidas de contenção, tão logo os primeiros casos foram registrados.
Atualmente, temos observado nas unidades básicas de saúde uma aparente redução de procura por suspeita do novo coronavirus e por casos mais graves da doença, mas existe uma grande preocupação por parte do Ministério Público com os procedimentos de saúde que foram represados por quase seis meses, período em que foi priorizado o tratamento do coronavírus.
Que tipo?
São inúmeros procedimentos, cirurgias, como as cardiovasculares e ortopédicas, tratamentos contínuos de outras doenças.
Todos eles foram de alguma forma afetados ao se direcionar, corretamente, o esforço para o combate à covid.
Agora, é preciso dar vasão a esta demanda, que também ocorrerá de forma intensa e simultânea, o que pode sobrecarregar o sistema de saúde. Estamos atentos a essa questão.
E as medidas para amenizar a crise econômica? O MPDFT tem condições de ajudar?
Estou certo de que sim. Temos nos posicionado favoravelmente à retomada econômica, desde que realizada com as cautelas necessárias, e com respeito às medidas de proteção sanitária.
Somos testemunha do impacto negativo que a pandemia vem gerando na economia do país e do DF. De fato, é necessário que a retomada cautelosa avance para minimizar os efeitos da crise sobre a atividade econômica, e sobre a renda, com terríveis consequências sociais.
O MPDFT tem acompanhado de perto a execução orçamentária no Distrito Federal. Estamos convencidos de que é preciso otimizar a execução de recursos nos programas e ações governamentais, muitos dos quais financiados por valores provenientes da União.
Como assegurar melhorias nas políticas públicas?
Percebemos que, em diversas circunstâncias, os recursos estão disponíveis, mas não são executados na íntegra, gerando prejuízo para a sociedade.
Acreditamos que isso pode assegurar melhores investimentos em políticas públicas essenciais para o bem-estar da polução do DF. Há, evidentemente, outras medidas que o MPDFT pode e deve tomar em auxílio à melhoria da situação econômica durante e no pós-pandemia. Temos trabalhado nesse sentido.
Como tem sido a relação entre o GDF e a força-tarefa de combate à pandemia?
Como dito, desde o início desta crise, buscamos uma interlocução constante com o GDF. Entendo que o MP deve acompanhar de forma próxima as políticas públicas para garantir que a população seja bem assistida e que as soluções ocorram de forma célere.
Esse é o nosso principal interesse. Para isso, temos dado ênfase à atuação extrajudicial. Seguimos um fluxo que inclui apontar as principais demandas da população, oficiar órgãos responsáveis por atuar nessas situações, recomendar práticas que consideramos importantes e, apenas em último caso, ingressar com ação judicial.
As já citadas inspeções que temos realizados nos hospitais, nas unidades de pronto atendimento e nas unidades básicas de saúde têm muito esse viés: verificar onde então os gargalos e comunicar imediatamente aos gestores os problemas encontrados para que as providências sejam tomadas direta e rapidamente.
Os resultados positivos que já obtivemos decorrem também das inúmeras soluções que construímos por meio deste diálogo. Tem sido assim deste o início da pandemia. Seguimos neste esforço.
E a política na área social? O MPDFT está acompanhando as vitimas do impacto da pandemia, em áreas carentes?
Sem dúvida é uma das principais frentes de atuação e uma constante preocupação do MPDFT. Estamos atentos aos impactos da redução de renda decorrente da pandemia.
Cobramos da Secretaria de Desenvolvimento Social, a SEDES, a implementação de um plano de contingência para a área, que temos acompanhado de perto, para evitar que as camadas mais vulneráveis da sociedade fiquem sem a oferta de serviços, de benefícios socioassistenciais e de acolhimento institucional.
Essa interlocução também tem sido constante e temos visto sim o esforço da Secretaria em buscar soluções.
E a demanda aumentou muito?
É claro que chama atenção o aumento na procura pelo programa Prato Cheio, destinado às famílias em situação de insegurança alimentar e nutricional no DF.
Estimamos que o número de inscritos no programa tenha triplicado e ainda há uma fila considerável de espera.
Veja, trata-se de uma das necessidades mais básicas, que é a alimentação. Não se pode negar, no entanto, a preocupação, tanto do governo local quanto do federal, com os trabalhadores informais e com aqueles que perderam seus empregos.
Iniciativas como a concessão de auxílios emergenciais têm mitigado as consequências econômicas desta pandemia, não temos dúvidas com relação a isso.
Também devo destacar que, desde o início desta crise, temos voltado nossa atenção para a população em situação de rua. Cobramos providências para garantir a essa parte da sociedade acesso às ações de prevenção, contenção e tratamento de saúde.
Nossa preocupação parte da compreensão de que essas pessoas são ainda mais vulneráveis e muitas vezes não conseguem atendimento nos aparelhos e ações de saúde pública, além de condições de higiene adequada.
Acredita que há muito ainda a fazer? O trabalho do MPDFT vai continuar?
Não há dúvida de que sim. Não podemos nos esquecer que ainda estamos em meio à pandemia. A recente melhora na evolução da crise sanitária no Distrito Federal não pode servir de justificativa para relaxar a atenção necessária ao monitoramento da situação.
As informações das autoridades sanitárias do país e do exterior mostram que uma solução só será realidade dentro de alguns meses, com a aplicação em massa de uma vacina confiável.
O MPDFT seguirá vigilante, cumprindo seu papel. Continuamos, por meio da Força-Tarefa e dos integrantes do MPDFT, promovendo medidas para garantir a proteção dos direitos da população do DF.
Nossa rotina permanece a mesma desde o início da pandemia. A propósito, não há como viver o presente e imaginar o futuro sem conclamar a sociedade a permanecer nesse esforço conjunto em prol da saúde.
Nesse momento, vivenciamos uma etapa de retomada da vida social, econômica e profissional, com a qual concordamos e é fundamental que ocorra.
É importante, portanto, que a população do DF siga colaborando. E como isso pode ser feito? Respeitando os protocolos sanitários instituídos pelas autoridades, usando máscaras faciais e fazendo o distanciamento, por exemplo.