Entrevista com Libanio Rodrigues, ouvidor do MPDFT.
Entrevista com Libanio Rodrigues, ouvidor do MPDFT. Ana Rayssa/CB/D.A Press Entrevista com Libanio Rodrigues, ouvidor do MPDFT.

Promotor do MPDFT: “A invisibilidade dos negros no Poder Judiciário chama a atenção, mas, no Ministério Público, talvez isso seja mais grave”

Publicado em Eixo Capital, Entrevistas
Coluna Eixo Capital/Por Ana Maria Campos

À QUEIMA-ROUPA

Promotor de Justiça Libânio Rodrigues, Ouvidor do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)

Vimos um caso de ofensa a um delegado negro, chamado de macaco por um morador do Lago Sul. Por que esse tipo de coisa ainda acontece?
Isso ainda acontece, e muito, porque, no Brasil, o racismo não é discutido, não é debatido com a seriedade, clareza e profundidade que esse assunto tão importante socialmente merece. Eu penso que, quando há debate claro e franco, não há como não se reconhecer que existe uma opressão social e estatal a quem é negro.

O ofensor está em liberdade e provavelmente terá uma pena baixa. A legislação falha nesses casos?
No Brasil, a Constituição estabelece que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível (art. 5º, XLII); a Lei nº 7.716/89 dispõe sobre vários crimes de racismo e o art. 140, § 3º, do CP, prevê o crime de injúria com caráter de discriminação racial. Mesmo com todas as dificuldades do Judiciário, vários casos resultaram em condenação. Destaco o AgRg no Agravo em REsp nº 686.965 -DF, que confirmou a condenação de jornalista a 1 ano e 8 meses de reclusão por injúria racial contra outro jornalista e reconheceu ser a injuria racial também crime imprescritível e inafiançável.

Seria, no seu entendimento, o caso de uma pena de prisão?
Conforme o entendimento do STJ, ele deveria ter ficado preso até futura decisão judicial em sentido contrário, por não ser o crime de injúria racial passível de fiança.

Você já sofreu alguma ofensa dessa natureza?
Sim. Todos nós negros no Brasil, em algum momento, sofremos discriminação racial, muitos de uma forma agressiva e intensa. No ponto, eu destaco a atuação seletiva da polícia, em todos os seus segmentos. O que mais me incomoda até hoje é ser seguido por seguranças em shoppings ou em lojas de departamento.

Recentemente também tivemos notícia de uma decisão judicial no Paraná em que a juíza se refere ao réu como criminoso pela cor da pele. Como a sociedade pode se proteger de racismo se até na Justiça isso ocorre?
Esse caso é muito importante e emblemático. Primeiramente, porque, para quem atua no combate ao racismo, sempre foi perceptível a influência da cor da pele nas condenações penais, mas raramente isso é materializado em uma sentença. Basta imaginar as incontáveis vezes que esse raciocínio da magistrada foi por ela (e por outros) empregado, sem que se tenha transcrito na decisão racializada. O caso será apurado e as medidas cabíveis serão tomadas por quem de direito. Porém, o mais importante é que esse caso deve servir de base para uma apuração profunda sobre o quanto o racismo influencia a aplicação de pena privativa de liberdade no Brasil. O CNJ tem as ferramentas necessárias para pesquisar a situação e promover medidas destinadas a suprimir, onde for preciso, a aplicação de critérios racistas nos atos de jurisdição.

Podemos dizer que o Brasil é um país racista?
Teoricamente não, porque nossas Constituição Federal e leis estabelecem o racismo como crime imprescritível e inafiançável. Não temos legislação segregadora. Porém, no mundo informal, nas relações do dia a dia, no trabalho, na escola e na Universidade, nas relações sociais e familiares, na distribuição de renda, na abordagem policial violenta e seletiva, enfim, na realidade, o Brasil é extremamente racista.

Apenas no ano passado tivemos uma primeira desembargadora negra no TJDFT, a Dra. Maria Ivatonia dos Santos. Não é muito pouco?
É de causar espanto, máxime porque as mulheres compõem a metade dos quadros da Magistratura e do Ministério Público e negros são mais da metade da população brasileira. A invisibilidade dos negros no Poder Judiciário chama a atenção, mas, no Ministério Público, talvez isso seja mais grave. O CNMP publicou resolução estabelecendo política de cotas nos concursos após o CNJ fazê-lo, mesmo havendo instaurado processo administrativo para isso muito antes. Esse panorama de representatividade dos negros no Judiciário e no MP ocorrerá com o implemento da política de cotas, isso levará um tempo, mas chegaremos lá. Esta ação afirmativa é a única esperança em desenvolvimento para que possamos ter, daqui a um tempo, ao menos, um equilíbrio na composição dos integrantes do Sistema de Justiça.