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Procurador Hélio Telho: “Dizer que Moro mandava no MP é mentira deslavada”

Publicado em CB.Poder

ANA MARIA CAMPOS

Em entrevista ao Correio, o procurador da República em Goiás Hélio Telho fala sobre a lei de abuso de autoridade, a lei da mordaça que vai calar integrantes do Ministério Público e do Judiciário, permitindo que apenas advogados comentem denúncias em defesa de seus clientes, e do vazamento de mensagens que teriam sido trocadas por procuradores da República sobre a Operação Lava-Jato.

Para o procurador, a chamada “Vaza-Jato” provoca mais “desinformação do que informação”. “Esse episódio está cheio de desinformação graças ao mau vezo de se pinçar trechos e publicar frases fora do contexto, apenas para render escândalo e, com isso, atrair audiência ou atender a interesses, sem preocupação com a apuração dos fatos e a investigação das circunstâncias”.

Sobre a lista tríplice eleita pela classe para a Procuradoria-geral da República, Hélio Telho diz acreditar que o presidente Jair Bolsonaro vai compreender a importância de se respeitar a escolha interna e nomeará um dos nomes colocados à disposição.

Quanto à atual procuradora-geral da República, ele afirma que Raquel Dodge sempre foi uma liderança destacada no Ministério Público, mas sua gestão decepcionou muita gente.

A seguir a entrevista:

“Veja essa desinformação de que Moro mandava nos procuradores. Isso é uma mentira deslavada”

Integrantes do MP dizem que a proposta de punição por abuso de autoridade é um duro golpe contra o combate à corrupção. Em que ponto atrapalha?
O projeto tinha muita coisa ruim, que havia sido aprovada na Câmara, que o Senado tirou, mas a Câmara pode ressuscitar, como, por exemplo, criar condições para que investigados, réus, ONGs ligadas a eles, seus advogados e até a OAB possam processar criminalmente juízes e promotores sob alegação de que abusaram da autoridade. Além do mais, o projeto alarga o conceito do que seja abuso de autoridade, sem definir parâmetros objetivos. Isso permite, na prática, que a nova lei seja utilizada como um instrumento de vingança dos réus ou para intimidar juízes e promotores, para se protegerem contra operações como a Lava-Jato.

E a chamada Lei da Mordaça?
O Senado não rejeitou tudo de ruim do projeto que veio da Câmara. Ao contrário, aprovou a lei da mordaça, que já havia sido tentada antes sem sucesso por Paulo Maluf e por Renan Calheiros, mas sempre rejeitada. Essa lei é um “cala a boca” para juízes e promotores que cerceia o direito do cidadão de acesso à informação pública e, também, prejudica a liberdade de imprensa, que não conseguirá mais realizar entrevistas ou receber notas ou declarações dessas autoridades. Só o advogado dos réus é que poderá falar à vontade o que quiser, sem que seja rebatido ou contestado pelo promotor. Por exemplo, decisões como a que concedeu férias em um cassino de Aruba  para o senador que cumpre pena não poderão mais ser criticadas publicamente por juízes e promotores, sob pena de serem punidos criminalmente.

A aprovação agora no Senado está relacionada ao conteúdo das conversas entre Moro e integrantes da força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba?
A publicação das conversas atribuídas a membros do MP e do então juiz da Lava-Jato criou um ambiente político favorável aos que haviam sido alvos da operação, que são pessoas poderosas e influentes, que se aproveitaram da situação para convencer o Senado. Foi um espasmo anti-Lava-Jato. Temos que reconhecer, contudo, que o projeto aprovado pelo Senado é bem menos ruim do que quando o veio da Câmara, o que pode ser atribuído à maior renovação política que o Senado sofreu nas últimas eleições.

Qual é a sua opinião sobre episódio? Moro mandava nos procuradores?
Sobre a publicação dos fragmentos de diálogos atribuídos a procuradores e ao juiz da Lava-Jato, em primeiro lugar, houve violação criminosa de conversas privadas. Em segundo lugar, não há nenhuma garantia de que esses diálogos são autênticos e que não sofreram qualquer adulteração, supressão, enxerto ou edição, em algum momento, seja por quem acessou indevidamente as contas do Telegram, seja por quem os repassou ao site que os divulgou, seja pela própria editoria do site, exceto a palavra dos jornalistas que assinam as matérias. Em terceiro lugar, as divulgações de trechos pinçados aleatoriamente, fora do seu contexto original, permitem manipulações do real sentido do que foi dito, deturpando o que foi de fato falado, conduzindo a conclusões divorciadas da verdade. Ou seja, não é informação, é desinformação. Veja essa desinformação de que Moro mandava nos procuradores. Isso é uma mentira deslavada. Pinçaram um trecho de diálogos e publicaram fora de todo o contexto, o que conduziu a uma conclusão falsa. Aliás, esse episódio está cheio de desinformação graças ao mau vezo de se pinçar trechos e publicar frases fora do contexto, apenas para render escândalo e com isso atrair audiência ou atender a interesses, sem preocupação com a apuração dos fatos e a investigação das circunstâncias.

Acredita que houve um vazamento do próprio MP, sem ter envolvido um hacker?
Não houve vazamento interno. Houve invasão e furto de dados. Vazamento interno explicaria a divulgação de mensagens havidas em grupos do Telegram. Porém, vazaram diálogos atribuídos a conversas entre apenas duas pessoas, de modo que só uma delas é que poderia ter vazado em prejuízo próprio. Não é verossímil.

Acha que o presidente Jair Bolsonaro vai respeitar a lista tríplice para PGR?

O presidente não é obrigado a respeitar a lista. Mas, como político que é, não vai simplesmente ignorá-la. Vai levar em consideração a vontade majoritária da classe, que, como das outras vezes, ofereceu nomes extremamente preparados, ponderados, experientes, com amplo conhecimento sobre as carreiras e o funcionamento do Ministério Público e sobre o seu papel constitucional. Creio que o presidente vai procurar conhecer cada um dos três, analisará seus currículos, suas histórias na carreira, seus modos particulares de ver as coisas e se decidirá por um deles, não por imposição, nem por se curvar à vontade da classe, mas por compreender a sua importância institucional e a necessidade de dar ao país um(a) procurador(a)-geral da República que seja reconhecido e aceito pelos seus pares como uma verdadeira é natural liderança.

Se a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, for reconduzida, haverá uma reação forte na classe?
Raquel Dodge sempre foi uma liderança respeitada e destacada do MPF. Porém, sua gestão à frente da PGR decepcionou parte significativa da classe, que hoje não a vê mais como a liderança de antes. E ela sabe disso, tanto que não se candidatou à lista tríplice, embora já tivesse disputado e recebido ótimas votações em eleições internas anteriores ao longo de sua notável carreira, tanto para o Conselho Superior, quanto para a vaga do MP no STJ, e mesmo para a PGR. Raquel pressentiu que teria votação decepcionante, que poderia sepultar o desejo de ser reconduzida e preferiu correr por fora. Os membros do MP possuem garantia de independência funcional prevista na Constituição. O PGR não dá ordens ou instruções para os procuradores. Sua força perante seus pares não está no poder hierárquico, que não  possui, mas na liderança que exerce sobre eles, na sua capacidade de influencia-los. Qualquer PGR que não seja reconhecido pelos pares como uma liderança natural a ser seguida não conseguirá promover a unidade da instituição e terá grandes dificuldades de conduzir o Ministério Público, o que é ruim para o país.