Nas entrelinhas: Zanin toma posse no Supremo com a imagem de “ministro do Lula”

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Não fosse a posse do novo titular da vaga de Lewandowski, que se aposentou, a coluna desta sexta-feira seria sobre a violência policial na Bahia, onde foram mortas 19 pessoas no fim de semana

O criminalista Cristiano Zanin tomou posse, nesta quinta-feira, no Supremo Tribunal Federal (STF) carimbado como ministro ligado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porque foi seu advogado nos processos da Operação Lava-Jato, num dos quais o petista foi condenado e preso, antes de ter a sentença anulada pelo Supremo, após mais de 500 dias de cadeia. Desde a petição inicial, o novo ministro sustentou que o juiz federal Sergio Moro não deveria ser responsável pelo processo do triplex do Guarujá, que nunca fez parte do escândalo da Petrobras.

A tese do “juiz natural” teve apoio da maioria dos ministros no Supremo, depois de uma longa batalha jurídica, que consagrou Zanin como criminalista e fez com que o presidente Lula o indicasse para ocupar a cadeira deixada pelo ministro Ricardo Lewandowski, outro grande amigo de Lula, que se aposentou em abril. A indicação do presidente teve excelente receptividade entre os ministros do Supremo, além de amplo apoio no Senado, cuja maioria queria mais um ministro “garantista” na Corte. Desafeto de Lula e Zanin, Moro hoje ocupa uma cadeira no Senado, mas é um estranho no ninho, não teve a menor condição de obstruir a indicação.

Presidida pela ministra Rosa Weber, a posse de Zanin foi muito concorrida e contou com a presença de Lula, dos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), respectivamente, e de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República. Será um dos mais longevos magistrados da Corte, porque terá 28 anos de mandato, até completar 75 anos. Nesta sexta-feira mesmo, participará da sessão da Corte.

Cerca de 520 processos que estavam sob a responsabilidade de Lewandowski o aguardam no gabinete. Zanin fará parte da Primeira Turma do Supremo, presidida pelo ministro Luís Roberto Barroso, ao lado de Cármen Lúcia, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Apesar de criminalista, terá de lidar com processos nas áreas do direito administrativo, público e tributário. Relatará casos como as regras da Lei das Estatais sobre nomeação de seus conselheiros e diretores, assunto que interessa diretamente a Lula, por causa das indicações de políticos para esses cargos.

Também estão sob sua responsabilidade a validade do decreto do petista sobre PIS/Pasep e Cofins; e os desvios de recursos públicos na execução do chamado “orçamento secreto”, assunto que mexe diretamente com os interesses do Centrão no Congresso. Em tese, até por tradição, ministros do Supremo exercem seus mandatos sem dar satisfação a ninguém, daí a expressão de que teríamos “11 supremos”. Entretanto, na prática, costumam levar muito em conta os interesses e pedidos dos ex-presidentes que os indicaram.

Entre os temas de interesse do governo Lula na pauta do Supremo, estão o marco temporal para demarcação de terras indígenas e a legalização do porte de drogas para o consumo pessoal. Zanin é visto com desconfiança por parte da esquerda petista, porque tem posição conservadora em relação aos costumes. Dificilmente, por exemplo, apoiaria a legalização do aborto. Por ser o ministro mais novo, será sempre o primeiro a votar nas sessões do Supremo.

O Haiti é na Bahia

Não fosse a posse do ministro Zanin, a coluna desta sexta-feira seria sobre a violência policial na Bahia, onde foram mortas 19 pessoas, após confrontos entre suspeitos e policiais militares no fim de semana, nas cidades de Salvador, Itatim e Camaçari. A letalidade superou os casos do Rio de Janeiro e de São Paulo, com a diferença de que o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), não é um aliado de Bolsonaro, como os de São Paulo, Tarcísio de Freitas (PR), e do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), que têm uma política de segurança claramente alinhada com a “bancada da bala” e sem preocupação com o uso desproporcional da força.

A dúvida era se o atual governador petista havia perdido o controle sobre a Polícia Militar, como aconteceu com o então governador Jaques Wagner (PT), no motim de 2012, ou se a naturalização da violência policial havia evoluído nos governos petistas para a tolerância com execuções sumárias. Faz tempo, Caetano Veloso havia denunciado a truculência da polícia baiana:

“Quando você for convidado pra subir no adro da fundação/ Casa de Jorge Amado/ Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos/ Dando porrada na nuca de malandros pretos/ De ladrões mulatos e outros quase brancos/ Tratados como pretos/ Só pra mostrar aos outros quase pretos/ (E são quase todos pretos) / Como é que pretos, pobres e mulatos/ E quase brancos, quase pretos de tão pobres são tratados”, canta na música Haiti, que reproduz uma cena comum nos desfiles do carnaval baiano.

Desde a chacina de 12 pessoas por nove policiais militares no bairro da Cabula, em Salvador, em 2015, no governo de Rui Costa, atual ministro-chefe da Casa Civil da gestão Lula, a Polícia Militar da Bahia promove sanguinários ajustes de contas. O Ministério Público provou que aquela ação fora planejada. Na época, o governador saiu em defesa dos policiais. Era uma oportunidade de superar o mal-estar entre o governo petista e a Polícia Militar. Nos seus dois mandatos, Rui Costa sempre foi muito criticado pelo movimento de direitos humanos. Na verdade, fez um pacto perverso de tolerância com a truculência policial, que agora saiu novamente do controle. Preto ou quase preto, o governador Jerônimo está como um cego em tiroteio. O Haiti é na Bahia; como diria o poeta, pense no Haiti, reze pelo Haiti.