Nas entrelinhas: A pedra cantada

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Barroso propôs o fim do foro privilegiado porque a atual regra leva muitos processos à prescrição (extinção da pena), em razão da demora no julgamento

Já era esperado o pedido de vista do ministro Dias Toffoli para estudar o processo e, com isso, paralisar o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o alcance do foro privilegiado em crimes cometidos por deputados e senadores. A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, até fez a proclamação provisória do resultado: 8 dos 11 ministros votaram pela restrição do foro privilegiado de parlamentares federais — 7 acompanharam o relator e um, Alexandre de Moraes, divergiu em relação ao alcance da restrição). Mas ainda faltam os votos de Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que teoricamente ainda podem convencer os demais a mudar de ideia. O julgamento não foi concluído e pode ficar para as calendas gregas. Se tivesse acabado, a maioria dos políticos enrolados na Operação Lava-Jato seria julgada pelo juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba.

Doze homens e uma sentença, um clássico norte-americano produzido por Sidney Lumet e dirigido e escrito por Reginald Rose, ilustra bem as razões de as coisas funcionarem assim nos tribunais. Lançado em 1957, o filme tem como atores principais Henry Fonda, Jee L. Cobb, Jack Warden e Martin Balsam. Doze homens julgam um garoto acusado de matar próprio pai com uma faca. O juiz orienta os jurados a ter cautela na decisão, pois trata-se da vida de um jovem que está nas mãos deles. Pede que decidam por unanimidade. Existem testemunhas e provas, que supostamente comprovam a culpa do garoto acusado, porém, ainda deixam uma grande margem de dúvidas.

Parte dos jurados toma por base o senso comum dos fatos: se a diz mulher que viu o garoto cometer o crime, então o garoto de fato é culpado; se o garoto é pobre e vive no meio de bandidos, também é um bandido etc. Os doze jurados seguiram o procedimento padrão, quando fizeram uma votação preliminar, antes mesmo de discutir quaisquer aspectos, apenas para conhecer o entendimento prévio de cada um e, somados, de todos eles, no seu conjunto. Um dos juradores, porém, revela que não tinha certeza da inocência do réu; mas que também não estava convicto quanto a sua culpa, pelo assassinato do seu próprio pai.

Coincidentemente, o oitavo jurado do filme, como Alexandre de Moraes, diverge da maioria. Há resistência de quase todos os outros 11 jurados, mas rapidamente, um a um, começam a se sentir inseguros quanto ao seu posicionamento inicial. A cada rodada de votação, ao mesmo tempo em que ia sendo ampliada a contagem dos votos de “inocente”, cada um dos jurados a enxerga de forma diferente o mesmo fato, o mesmo dado, a mesma prova. O veredicto passa a ser lentamente transformado de culpado a inocente. O filme é um libelo em defesa da chamada “presunção de inocência”.

Prescrição

Antes que imaginem que estou defendendo a manutenção do foro privilegiado para os políticos que cometeram crimes comum, registro: estou apenas explicando a razão de um tribunal não concluir o julgamento enquanto o último magistrado presente não se manifestar. Teoricamente, ele pode mudar o entendimento da Corte. Isso faz parte do “devido processo legal”, das prerrogativas dos jurados e dos direitos e garantias dos réus. Se a regra é usada para uma manobra política ou “chicana”, não importa, a criança não pode ser jogada fora com a água da bacia. O julgamento de ontem começou em maio, em razão de uma ação penal contra o prefeito de Cabo Frio (RJ), Marquinhos Mendes (PMDB), devido à suposta compra de votos em campanha eleitoral no município. Tramitou por diversas instâncias desde 2008, uma vez que o político mudou de cargo e, consequentemente, de foro. Hoje, é deputado federal e integra a bancada do PMDB.

No Supremo, há duas propostas em votação; a do ministro Luís Roberto Barroso já conta com seis votos, deixa no Supremo somente os processos sobre delitos cometidos durante o mandato e necessariamente relacionados ao cargo. Com isso, sairiam do STF e iriam para a primeira instância acusações contra parlamentares por crimes como homicídio, violência doméstica e estupro, por exemplo, desde que não ligados ao cargo. Alexandre de Moraes, voto vencido até agora, deixa no Supremo todas as ações sobre crimes cometidos durante o mandato, mesmo aqueles não ligados ao exercício da função de parlamentar. Votaram com Barroso os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello.

Barroso propôs o fim do foro privilegiado porque a atual regra leva muitos processos à prescrição (extinção da pena), em razão da demora no julgamento, porque cada vez que um político muda de cargo, o processo migra de tribunal, atrasando a conclusão. Toffoli argumentou que o Congresso também discute outras formas de restringir o foro privilegiado. A proposta em tramitação na Câmara, por exemplo, restringe o foro privilegiado às autoridades máximas do país: os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do próprio STF. Pretende esperar o Congresso decidir.