Nas entrelinhas: O ninho das serpentes

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Bolsonaro teme perder as eleições e começa a construir uma narrativa para não aceitar o resultado do pleito, caso lhe seja desfavorável

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou, ontem, o inquérito dos atos com pautas antidemocráticas, mas instaurou nova investigação para apurar a existência de suposta organização criminosa digital que atenta contra a democracia. O novo inquérito tem duração inicial de 90 dias e será chefiado pela delegada da Polícia Federal (PF) Denisse Dias Ribeiro, que coordenou a apuração anterior. Serão investigados os núcleos de produção, publicação, financiamento e político identificados no inquérito que apura as ameaças, os ataques e as fake news contra o STF, que também está sob relatoria de Moraes.

A decisão do ministro é duríssima. Segundo ele, há indícios de existência de uma organização criminosa de extrema-direita empenhada em “desestabilizar e, por que não, destruir os Poderes legislativo e Judiciário a partir de uma lógica insana de prevalência absoluta de um único poder nas decisões do Estado”. São citados na decisão o blogueiro Allan dos Santos e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Segundo a PF, o blogueiro costumava se reunir com os congressistas em sua residência. A decisão do ministro coincide com o recrudescimento dos ataques do presidente Jair Bolsonaro ao Judiciário, desta vez concentrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Ontem, em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, Bolsonaro defendeu a proposta que prevê a impressão do voto e disse que o atual modelo de eleições é sujeito a fraude. “Tem uma articulação de três ministros do Supremo para não ter voto auditável. Se não tiver, eles vão ter de apresentar uma maneira de termos eleições limpas. Se não tiver, vão ter problemas no ano que vem. Eu estou me antecipando a problemas para o ano que vem. Como está aí, a fraude vai ser escancarada.”

O Brasil tem eleições limpas e seguras, em urnas eletrônicas que não podem ser hackeadas e são auditáveis, nas quais o voto do eleitor é respeitado e decide. Nosso sistema de apuração é o mais moderno do mundo, permitindo que o resultado do pleito seja conhecido no próprio dia da eleição. Até hoje, nenhuma denúncia de fraude foi confirmada. Em todos os níveis, em sucessivas eleições, sejam nacionais, seja municipais, os resultados eleitorais surpreendentes revelam que a vontade do eleitor é soberana, não se submete ao stablishment político, promovendo, muitas vezes, grande renovação política. A própria eleição de Bolsonaro à Presidência é um exemplo disso.

Relações perigosas
O que está acontecendo é que a reeleição de Bolsonaro subiu no telhado, por causa do mau desempenho do governo, que não conseguiu ir além da reforma da Previdência até agora e tem um péssimo desempenho em todas as áreas sociais. Na Saúde, que é objeto de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) no Senado, a atuação negativista de Bolsonaro é responsável por um desastre sanitário que já atinge 520 mil mortos por covid-19, que em grande parte poderiam ser evitadas. Todas as pesquisas já apontam o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, ainda, há articulações de partidos do centro para o lançamento de uma terceira via.

Além disso, crescem as articulações na sociedade e as mobilizações populares a favor do impeachment de Bolsonaro, o que eleva o estresse no Palácio do Planalto. Bolsonaro teme perder as eleições e começa a construir uma narrativa para não aceitar o resultado do pleito, caso lhe seja desfavorável. Reproduz a estratégia do ex-presidente norte-americano Donald Trump, que perdeu as eleições e tentou virar a mesa, com denúncias de fraudes eleitorais, mas fracassou. Todos se recordam das cenas da invasão do Capitólio por seus apoiadores.

Bolsonaro tenta desacreditar o Supremo e a Justiça Eleitoral, em lives e declarações à imprensa. Essas declarações são imediatamente reverberadas nas redes sociais por seus apoiadores, num processo de radicalização política muito perigoso. Além disso, começa a utilizar os meios de coerção do Estado para proteger aliados, e nada impede que tente fazer o mesmo para intimidar a oposição. Paralelamente, organiza uma militância política armada, que muitos temem que se transforme numa milícia paramilitar fascista. Essa é a conexão a que pode chegar o STF, que agora investiga a rede digital antidemocrática.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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