Nas entrelinhas: Militares golpistas romperam o pacto da anistia

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Decisão de Moraes teve como resposta da oposição bolsonarista a apresentação de requerimento para instalação de uma CPMI para investigar os fatos de 8 de janeiro

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que atendeu na segunda-feira ao pedido da Polícia Federal para que o STF julgue militares envolvidos nos ataques de 8 de janeiro aos palácios dos Três Poderes, em Brasília, tomou uma decisão histórica: tirou da esfera da Justiça Militar os crimes políticos e comuns cometidos por militares. É a primeira vez que isso acontece, num país que assistiu a inquéritos policiais militares contra civis serem instrumentos golpistas ou de repressão a oposicionistas.

O magistrado também abriu investigação sobre a participação de militares da Polícia Militar do Distrito Federal e das Forças Armadas nos episódios de 8 de janeiro. Ao fazer o pedido, a PF justificou que policiais militares ouvidos na 5ª fase da Operação Lesa-Pátria “indicaram possível participação/omissão dos militares do Exército Brasileiro, responsáveis pelo Gabinete de Segurança Institucional e pelo Batalhão da Guarda Presidencial”. A decisão recebeu apoio do futuro presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Francisco Joseli Parente Camelo, e da ministra do STM Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha.

Segundo o ministro Camelo, a decisão “dá a garantia do devido processo legal e respeita o princípio do juiz natural”. Para a ministra Maria Elizabeth, todos os envolvidos devem ser julgados pelo mesmo tribunal, do contrário, os civis seriam julgados pelo STF, os militares pelo STM e os policiais militares e bombeiros pelo TJ. Por ironia da história, foram os militares envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro que romperam o principal pacto da transição à democracia: a anistia recíproca de 1979, o primeiro passo efetivo para a redemocratização do país, que perdoou ex-guerrilheiros e agentes dos órgãos de segurança do regime militar.

A Lei da Anistia de 1979 perdoou os crimes políticos cometidos entre 1961 e 1979, mas sempre foi polêmica e muito contestada pelos movimentos de defesa dos direitos humanos, por causa das torturas e assassinatos cometidos nos quartéis. Os militares, por sua vez, acusavam os ex-militantes da luta armada de cometerem assassinatos e justiçamentos. Aprovada pelo Congresso, no governo do general João Batista Figueiredo, a lei foi considerada “imexível” pelo Supremo. Todas as tentativas de julgar e punir os militares envolvidos nas torturas e assassinatos foram rechaçadas.

Reação bolsonarista

A decisão de Alexandre de Moraes teve como resposta da oposição bolsonarista a apresentação de requerimento para instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), para investigar os fatos ocorridos em 8 de janeiro, assinada por 31 senadores e 120 deputados federais. Articulada pelos senadores Marcos Do Val (Podemos-ES) e Rogério Marinho (PL-RN) e pelos deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e André Fernandes (PL-CE), é uma nova dor de cabeça para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma CPMI tem instalação praticamente garantida, desde que cumpra as exigências regimentais em termos de assinaturas. Um pedido de CPI com o mesmo objeto, protocolado pela senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS) anteriormente, depende de apreciação do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Na segunda-feira, o ministro Gilmar Mendes, do STF, havia estipulado o prazo de 10 dias para que Pacheco desse explicações em relação à instalação da CPI apresentada pela senadora Soraya. As duas comissões são iniciativas da oposição, que tenta responsabilizar o ministro da Justiça, Flávio Dino, pelas falhas do sistema de segurança da Esplanada no dia do vandalismo, e não esconde o objetivo de pôr sob suspeição o ministro Alexandre de Moraes como relator do processo.

Em contrapartida, os parlamentares governistas apoiam Moraes e já lançaram a palavra de ordem “Anistia nunca mais”, exigindo a punição dos responsáveis pelos atos de vandalismo de 8 de janeiro. A Constituição de 1988 estabelece que a anistia é concedida pelo Congresso, após aprovação de projeto de lei pela Câmara e pelo Senado, dedicada especialmente aos crimes políticos.

Crimes hediondos não podem ser anistiados. Anistia é o perdão que pode ser dado a indivíduos que precisam responder por seus crimes na Justiça. A concessão de anistia é mais relacionada a crimes políticos, e aquele que a recebe tem seus crimes apagados e sua ficha criminal limpa, tornando-se réu primário novamente. Existe também a anistia tributária. O Arquivo do Senado reúne farto material sobre a aprovação da Lei da Anistia, que resultou de uma ampla campanha política da oposição ao regime militar, inclusive no exterior.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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