Da mesma forma como o isolamento internacional se tornou um ponto fraco de Bolsonaro, a deriva diplomática de Lula abre espaços para a oposição
Num Palácio em que a cozinha governa, porque a área meio controla as atividades fins, o florentino Nicolau Maquiavel seria uma espécie de espírito de porco, a desafiar o coro dos contentes que cercam o príncipe, num momento em que o seu governo precisasse corrigir seu curso.
“De quanto pode a fortuna nas coisas humanas e de que modo se lhe deva servir” (Quantum fortuna in rebus humanis possit, et quomodo illis it occurrem dum), o 15º capítulo d’O Príncipe, foi escrito para separar a religião da política, numa época em que o Estado recebia forte influência da Igreja, mas trata é desse assunto.
À época, dizia-se que as coisas eram governadas pela fortuna e por Deus e que os homens não poderiam modificar o seu destino. É mais ou menos o que acontece com o governo Lula, cujo futuro parece predeterminado por velhas convicções ideológicas, o que é sempre uma forma distorcida de apreensão da realidade, tanto quanto a religião.
Na navegação, seja costeira, seja estimada ou astronômica, há uma diferença entre o rumo da agulha, aquele para o qual a proa do barco aponta, e o rumo verdadeiro, que só aparece quando se usa régua e compasso. O barco parece seguir numa determinada direção, mas está sendo desviado pela corrente. Caso nada seja feito, não chegará ao destino. O nome disso é deriva.
Antigamente, muitos se deixavam governar pela sorte e perdiam o poder. Até Maquiavel separar as responsabilidades: “Para que o nosso livre-arbítrio não seja extinto, julgo poder ser verdade que a sorte seja o árbitro da metade das nossas ações, mas que ainda nos deixe governar a outra metade, ou quase”.
Comparou a Fortuna aos rios torrenciais: “Quando se encolerizam, alagam as planícies, destroem as árvores e os edifícios, carregam terra de um lugar para outro; todos fogem diante dele, tudo cede ao seu ímpeto, sem poder opor-se em qualquer parte”. Quando fala da Fortuna, Maquiavel se refere às contingências que cercam um governante.
O príncipe que se apoia totalmente na sorte vai à ruína. Entretanto, observou Maquiavel, “isso não impedia que os homens, quando a época era de calma, tomassem providências com anteparos e diques, de modo que, crescendo depois, ou as águas corressem por um canal, ou o seu ímpeto não fosse tão desenfreado nem tão danoso”.
Desde a eleição de Lula, o cenário externo passou por grandes mudanças. A guerra da Ucrânia, de um lado, e a de Gaza, de outro, e os governos do Cone Sul, com destaque para a Venezuela e a Argentina, colocaram em xeque e estratégia de projeção de poder do Brasil na cena internacional como uma potência regional com papel decisivo. O mar de almirante virou um oceano proceloso, que ameaça levar ao naufrágio nossa excelente diplomacia.
Cenário externo
Ao trazer de volta para o debate político interno o lugar do Brasil no mundo, Lula abriu um flanco para a oposição até então inimaginável. Da mesma forma como o isolamento internacional se tornou um grande ponto fraco do governo Bolsonaro, a deriva diplomática de Lula começa a abrir espaços para a oposição, interna e externamente.
Nesse aspecto, o confronto entre o bilionário sul-africano Elon Musk, da Tesla, da Space X e do antigo Twitter, agora X, e o Supremo Tribunal Federal (STF) não deve ser subestimado, porque abriu espaço para a atuação ostensiva de lideranças ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro no exterior, com a narrativa de que vem sendo vítima de perseguição política. Lula e o ministro Alexandre de Moraes são retratados como protagonistas de uma trama autoritária, que busca sufocar a oposição e restringir a liberdade.
O ambiente econômico mundial, em meio à guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, também não oferece ao Brasil as possibilidades que se imaginava no governo. Mesmo nos países ricos, o problema fiscal é preocupante. O Conselho Europeu busca reconstruir reservas orçamentárias para a transição energética, a transformação digital e a defesa. Nos Estados Unidos, a inflação de 3,5% força o Federal Reserve (Fed), seu banco central, a manter sua política de juros.
Foi ruim a reação do mercado ao adiamento da meta fiscal de deficit zero para 2025. Era um segredo de polichinelo, a expansão de gastos do governo já apontava nessa direção. Mesmo assim, sinalizava responsabilidade fiscal da equipe econômica e dava credibilidade ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
As relações comerciais com a China e a Rússia, estratégicas para o agronegócio, não são o bastante para a expansão da nossa economia. O ambiente externo, a mudança na meta fiscal e, agora, o confronto entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente Lula são complicadores que exigem uma estratégia de redução de danos do governo. Para piorar, a regulamentação da reforma tributária está encalhada, e surgem pautas conservadoras e diversionistas, como comissões de inquérito, que retiram o foco do parlamento daquilo que realmente é decisivo para o país crescer. O governo precisa se adaptar ao novo cenário externo e corrigir o seu rumo.
Colunas anteriores no Blog do Azedo: https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/
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