Nas entrelinhas: Fazer a cabeça tem hora

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“Julgamento sobre a execução imediata da pena após condenação em segunda instância, no Supremo Tribunal Federal (STF), só ocorrerá na próxima semana. Hoje, haverá apenas sustentação oral das partes”

Num arroubo de sinceridade, ou melhor, “sincericídio”, o jornalista e produtor cultural Nelson Motta, um carioca simpático por natureza, que nunca fez mal a ninguém, virou a bola da vez nas redes sociais porque declarou, numa entrevista ao jornal O Globo, que fumava maconha todo dia. O texto enfurecido de um leitor, acusando-o de conivência com o tráfico de drogas, viralizou, e o assunto acabou chegando ao plenário da Câmara dos Deputados, onde um parlamentar da “bancada da bala” pediu que a Polícia Federal investigasse as supostas relações de Motta com os traficantes que lhe forneceriam a famosa cannabis sativa.

Impossível o “sincericídio” de Nelson Motta não nos remeter ao refrão do samba de Bezerra da Silva, Malandragem dá um tempo, nesses tempos em que o politicamente incorreto dá as cartas com sinal trocado: “Vou apertar/Mas não vou acender agora/ Vou apertar/ Mas não vou acender agora/ Se segura malandro/ Pra fazer a cabeça tem hora/ Se segura malandro/ Pra fazer a cabeça tem hora”. O tema da descriminalização da maconha não é novo, mas vive um cenário muito adverso.

Mesmo assim, a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), que utiliza remédios à base de cannabidiol, recentemente, convenceu os colegas da Comissão de Direitos Humanos (CDH) a aprovar a regulamentação do uso medicinal da cannabis e do cânhamo no Brasil. Apresentada pela Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (Reduc), com o apoio de familiares e pacientes que fazem uso desses medicamentos, a proposta foi transformada em um projeto de lei no Congresso.

Gabrilli ficou tetraplégica ao quebrar o pescoço, há 25 anos. Num depoimento apaixonado, admitiu que só consegue trabalhar por que faz uso medicinal da maconha: “Eu mexo muito pouco do pescoço para baixo, mas eu mexo muito mais do que eu já mexi um dia, porque eu era uma pessoa deitada, que respirava numa máquina, que não falava, que não sentava, que não sentia e que não se mexia. […] Sabe por que eu faltei tanto tempo aqui, fiquei de licença? Porque durante todo o período que fiquei sem ter o THC, eu desenvolvi uma epilepsia refratária”, revelou a senadora.

Com esse depoimento, a causa do uso medicinal da maconha ganhou uma defensora capaz de sensibilizar o Congresso. Para fazer uso desses medicamentos, pacientes precisam pedir autorização judicial e importar os remédios a preços muito altos. A proposta de Gabrilli autoriza a pesquisa e a produção de remédios à base de cannabidiol no Brasil, barateando e difundindo o uso desses produtos a quem tiver autorização médica para usá-los. À Anvisa, caberia regular e controlar a venda desses medicamentos.

Os que se opõem à medida argumentam que a liberação da produção comercial de maconha para fins medicinais pode favorecer os traficantes de drogas no Brasil. Na Colômbia, porém, com a legalização, foram criados 1,7 mil empregos nesse tipo de atividade. O mercado legal de cannabis cresce 22% ao ano no mundo. No Brasil, a estimativa de valor desse mercado é de R$ 1,1 bilhão.

Julgamento
A propósito do samba de Bezerra, o julgamento sobre a execução imediata da pena após condenação em segunda instância, no Supremo Tribunal Federal (STF), só vai ocorrer mesmo na próxima semana. O presidente da Corte, Dias Toffoli, anunciou que hoje haverá apenas sustentação oral das partes, e os votos serão colhidos apenas na próxima semana, o que manterá o suspense sobre a decisão da Corte.

A atual jurisprudência já foi reafirmada três vezes pelo Supremo, mas houve uma mudança de posição do ministro Gilmar Mendes, que hoje é contra a decisão, e de Rosa Weber, que manteve a jurisprudência na última votação para não gerar um clima de insegurança jurídica na Operação Lava-Jato. A ministra nunca negou sua posição de princípio a favor da condenação apenas após o trânsito em julgado.

No último julgamento, a jurisprudência foi mantida por 6 a 5. Fala-se que 190 mil condenados poderão voltar às ruas caso haja uma mudança, muitos dos quais condenados por tráfico de drogas, mas a grande preocupação política decorre do fato de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ganhar seu habeas corpus, voltando com tudo à cena política como grande líder da oposição.

Recém-operado de uma bem-sucedida traqueostomia, o general Eduardo Villas Boas, no Twitter, pôs lenha na fogueira: “Experimentamos um novo período em que as instituições vêm fazendo grande esforço para combater a corrupção e a impunidade, o que nos trouxe — gente brasileira — de volta a autoestima e a confiança. É preciso manter a energia que nos move em direção à paz social, sob pena de que o povo brasileiro venha a cair outra vez no desalento e na eventual convulsão social”. O ex-comandante do Exército padece de uma doença degenerativa, que limita cada vez mais seus movimentos e respiração, mas está lúcido e falante.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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