Crédito: Caio Gomez
No fundo, a reaproximação é um pacto de sobrevivência para 2026. Motta precisa operar a Câmara sem paralisia; Lula, evitar que cada votação vire uma crise
Quem estava lá até estranhou o clima de jingle bell no Palácio do Planalto entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) — que andavam se estranhando —, na posse do novo ministro do Turismo, Gustavo Feliciano, indicado pelo União Brasil. Ele ocupa a vaga do deputado Celso Sabino (PA), que foi expulso da legenda por insistir em permanecer no cargo quando o partido decidiu derivar à oposição. Com a sigla dividida, uma ala decidiu manter o apoio ao governo.
O paraibano é filho do líder da bancada negra da Câmara, Damião Feliciano (União-PB), e é aliado de Motta, que tenta melhorar sua relação com o Planalto em busca de apoio político de Lula. De olho nas eleições de 2026, o presidente da Câmara pretende lançar o pai, Nabor Wanderley, ao Senado. Mas não é só isso. A reaproximação com Lula veio embalada por uma decisão do Congresso na qual a governo terá um aumento de arrecadação da ordem de R$ 20 bilhões, negociado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
A moeda de troca de Haddad foi aceitar o dispositivo que previa a “revalidação” de restos a pagar não processados inscritos desde 2019 — inclusive aqueles já cancelados —, permitindo sua quitação até o fim de 2026. Na prática, o artigo abria caminho para a reativação das emendas de relator (RP-9), núcleo do chamado orçamento secreto, declarado inconstitucional pelo STF em 2022 por falta de transparência e critérios objetivos.
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Mas faltou combinar com o ministro Flávio Dino, que detonou os restos a pagar, mas não o aumento de impostos, que reforça o caixa federal em aproximadamente R$ 20 bilhões para 2026. A proposta central era elevar a carga tributária sobre apostas esportivas (bets) e instituições financeiras de menor porte (fintechs), mas seu impacto atinge diretamente diversos setores econômicos. O bilionário “presente” de Natal foi vendido como recomposição fiscal e reforço de caixa para 2026, porém nasce do tradicional acordo de fim de ano no qual o Congresso entrega arrecadação e cobra, em troca, governabilidade orçamentária.
O PLP 128/2025 promove um corte linear mínimo de 10% em benefícios federais (tributários, financeiros e creditícios) e aumento de tributação sobre apostas esportivas (bets) e instituições financeiras de menor porte (fintechs), além de ajustes que atingem também o JCP. Haddad aceitou “a moeda” mais sensível para o Parlamento: a tentativa de reabrir o cofre dos restos a pagar antigos, revalidando despesas empenhadas e não pagas desde 2019, inclusive canceladas, para quitação até o fim de 2026. Esse dispositivo funcionava como túnel de retorno para práticas associadas às emendas de relator (RP-9), o coração do orçamento secreto derrubado pelo STF em 2022 por deficit de transparência e critérios. E foi exatamente essa porta que Flávio Dino decidiu trancar, suspendendo o trecho que reativava as emendas canceladas.
Reação empresarial
O resultado político é ambíguo. De um lado, Dino preserva sua linha de contenção das “gambiarras” orçamentárias e sinaliza que o Supremo continuará patrulhando jabutis que reconstruam, por atalhos, mecanismos sem transparência de alocação de recursos. De outro, ao não atingir o aumento de carga tributária, a decisão corta o prêmio político do Legislativo, o controle de restos a pagar, e mantém o bônus fiscal do Executivo, a receita extra. A conta do ajuste vai para a indústria, o agro e os serviços. São setores com capacidade de vocalização e lobby, que já estão recorrendo ao STF. Criticam o “ajuste pelo lado da arrecadação” e a insegurança jurídica.
O agro ataca o PLP 128/2025 pelo corte linear de benefícios, lista impactos em cadeia (insumos, frete, armazenagem, beneficiamento, crédito presumido) e projeta inflação de alimentos. “Não é o rico que paga, é o preço que sobe”, criticam. A indústria mira a Lei 15.270/2025, que alterou as regras de lucros e dividendos e instituiu retenção na fonte de 10% sobre dividendos acima de R$ 50 mil no mês (a partir de 2026), além de desenhar uma tributação mínima para altas rendas (com base no ano-calendário de 2026).
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) sustenta que o Congresso tentou evitar a retroatividade “pura” ao criar exceções para lucros apurados até 2025, porém amarrou a exceção a condições consideradas inexequíveis: aprovar a distribuição até 31 de dezembro de 2025 e fixar, nessa mesma deliberação, termos “originalmente previstos” para pagamento, sem margem para ajustes. A CNI critica a violação da anterioridade, aponta irretroatividade e alega insegurança jurídica. Argumenta junto ao STF que não se pode tributar fatos do mesmo exercício com mudança aprovada no fim do ano.
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Governo e Congresso acreditam que a recomposição é uma medida responsável para 2026, de olho no arcabouço fiscal; o setor produtivo considera uma combinação explosiva de aumento de carga e instabilidade regulatória. No fundo, a reaproximação entre Executivo e Legislativo é um pacto de sobrevivência para 2026. Motta precisa operar a Câmara sem paralisia; Lula, evitar que cada votação vire uma crise. Os dois costuram uma aliança na Paraíba. Entretanto, esse acordo custa caro e distribui custos de forma desigual, para o setor produtivo e os consumidores.
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