A partir de 2025, as bancadas e as comissões da Câmara e do Senado deverão registrar, em ata, o nome do parlamentar que sugeriu cada emenda ao Orçamento
Estava escrito nas estrelas que as emendas do “orçamento secreto” se tornariam casos de polícia. Nas últimas semanas, várias operações de busca e apreensão e ordens de prisão foram executadas pela Polícia Federal (PF) em razão de desvios de recursos dessas emendas, por meio de obras e serviços superfaturados, com objetivo de engordar o caixa dois eleitoral e o patrimônio de políticos, servidores e empresários envolvidos. Ontem, o vice-prefeito de Lauro de Freitas, Vidigal Cafezeiro (Republicanos), e outras três pessoas foram presas por suspeita de desvio de dinheiro de emendas parlamentares.
Os mandados foram cumpridos na sede da Prefeitura de Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador, e em Vitória da Conquista, no Sudoeste da Bahia. Além do vice-prefeito, foram presos Lucas Moreira Martins Dias, secretário de Mobilidade Urbana de Vitória da Conquista, Carlos André de Brito Coelho, ex-prefeito de Santa Cruz da Vitória, e o policial federal Rogério Magno Almeida Medeiros. Também houve o afastamento de Lara Betânia Lélis Oliveira, servidora da Prefeitura de Vitória da Conquista.
A Polícia Federal afirma que o esquema movimentou cerca de R$ 1,4 bilhão, por meio de contratos firmados com o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Não é um caso isolado. Sorteados aleatoriamente para fiscalização de rotina, diversos municípios auditados pela Controladoria Geral da União (CGU) registram suspeitas de desvios de recursos e superfaturamento de obras e serviços. Como diria o falecido ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, ao investigar, a PF puxa uma pena e aparece uma galinha. Há mais de dez inquéritos envolvendo deputados federais em sigilo de justiça, todos por causa do desvio de recursos das emendas parlamentares.
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Não por acaso, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, decidiu suspender o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares e determinou que a Polícia Federal (PF) abra um inquérito para apurar a liberação desses valores. Foi uma resposta a um pedido do Psol, que apontou irregularidades na destinação de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão da Câmara e do Senado, que não têm pagamento obrigatório. O Psol questionou no STF o ofício assinado por 17 líderes de bancada, no dia 12 de dezembro, que autorizou o Executivo a fazer o repasse dos recursos das emendas de comissão, sem que os colegiados se reunissem.
O governo cedeu às pressões do Congresso durante as negociações para votar a reforma tributária e o ajuste fiscal. Houve uma manobra liderada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para redirecionar esses recursos e burlar as novas regras de rastreabilidade e transparência adotadas pelo próprio Congresso, por exigência do STF. A Constituição estabelece diretrizes para aplicação dos recursos do Orçamento que são obrigatórias para todos os poderes e entes federados, entre as quais a transparência da autoria e rastreabilidade da sua destinação.
Como a sua aprovação acabou ficando para o próximo ano, o Orçamento de 2025 subiu no telhado, porque os líderes ameaçam não o apreciar até que as emendas sejam pagas. Também querem mudar a Constituição para limitar o poder monocrático dos ministros do Supremo, insatisfeitos com o ministro Dino.
A manobra
O presidente da Câmara é o líder do sindicato. No mesmo dia em que enviou o ofício, Lira cancelou todas as sessões de comissões que estavam marcadas até 20 de dezembro, com o argumento de que havia “necessidade de o Plenário da Câmara dos Deputados discutir e votar proposições de relevante interesse nacional”. Com a decisão, as comissões não deliberaram sobre a destinação das emendas.
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Cerca de 5,4 mil indicações de emenda, no valor de R$ 4,2 bilhões, deixaram de ser examinadas, muitas delas do Psol. Uma parte teve a destinação alterada. Alagoas, o estado de Lira,proporcionalmente, foi dos mais beneficiados. Diante do recurso do Psol, Dino determinou que a Câmara publique em até cinco dias as atas das reuniões das comissões nas quais as emendas foram aprovadas, para que a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência, chefiada pelo ministro Alexandre Padilha, de posse dessas informações, efetue os pagamentos.
A partir de 2025, as bancadas e as comissões da Câmara e do Senado que desejarem indicar emendas deverão registrar, em ata, o nome do parlamentar que sugeriu cada proposta. Atualmente, isso não acontece; a autoria é coletiva. Internamente, o expediente é importante para empoderar os líderes em relação às próprias bancadas. Em termos eleitorais, é uma blindagem dos atuais mandatários, que utilizam os recursos das emendas, quase R$ 60 milhões para cada deputado, com objetivo de garantir a própria reeleição.
Isso cria uma distorção na relação entre o Congresso e os demais poderes, entre os líderes e suas bancadas e uma grande disparidade de armas na disputa eleitoral, entre quem tem mandato e quem não tem, com objetivo de impedir a renovação política. A face mais obscura desse processo são as fraudes em licitações e o superfaturamento de obras e serviços, que já transformaram muitas emendas parlamentares em caso de polícia.
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