Congresso avança sobre Orçamento e escancara uso eleitoral de emendas

compartilhe

Até julho de 2026, o governo será obrigado a quitar 65% das emendas individuais e de bancada destinadas à saúde e à assistência social e às chamadas emendas Pix

A aprovação do texto-base da LDO de 2026, nesta quinta-feira, em sessão conjunta do Congresso, escancarou um movimento já consolidado, mas agora assumido sem disfarces: em pleno ano eleitoral, a maioria dos parlamentares decidiu impor ao Executivo um calendário de liberação de emendas que prioriza interesses eleitorais imediatos, reforça o poder dos parlamentares que disputarão a reeleição e aprofunda as distorções do sistema político brasileiro. O Legislativo avança sobre o Orçamento da União com apetite ampliado, transformando em política de Estado um mecanismo tipicamente de aliciamento eleitoral.

Pelo acordo costurado entre o relator Gervásio Maia (PSB-PB) e o Planalto, o governo será obrigado a quitar até julho de 2026 nada menos que 65% das emendas individuais e de bancada destinadas à saúde e à assistência social, além de cumprir o mesmo percentual para as chamadas emendas PIX, modalidade sob investigação no STF pela opacidade e pelo risco de uso eleitoreiro. São aproximadamente R$ 52 bilhões em emendas, distribuídas entre 513 deputados e 81 senadores.

Leia também: LDO antecipa liberação de emendas parlamentares em ano eleitoral

A maior fatia dos recursos controlados diretamente por deputados e senadores chegará aos redutos eleitorais antes da campanha eleitoral, que será pautada pela lógica do “é dando que se recebe”. Recursos que deveriam ser destinados a projetos estruturantes serão usados para acordos eleitorais de conveniência, quando não para formação de caixa dois eleitoral.

As justificativas para a liberação de 65% do orçamento antes da proibição do uso de recursos públicos no decorrer da campanha, em nome segurança jurídica, da previsibilidade e do fortalecimento das políticas sociais, desvirtua os objetivos desse dispositivo da legislação eleitoral criado exatamente para impedir o abuso de poder econômico nas eleições.

Diante da coincidência com o calendário eleitoral e do histórico de utilização das emendas como instrumento de barganha e autopromoção, o texto aprovado pelo Congresso deixa pouco espaço para dúvidas: ao acelerar o fluxo de recursos impositivos, os parlamentares reforçam seu controle sobre verbas públicas e ampliam a vantagem competitiva de quem já ocupa o mandato. A disparidade de armas na disputa eleitoral remonta aos tempos do coronelismo e do voto de cabresto.

Em 2026, o montante reservado às emendas individuais deve chegar a R$ 40,8 bilhões, sem contar as de comissão. Trata-se de uma anomalia institucional: poucos países obrigam o Executivo, por força de lei, a reservar parcela tão substancial de seu orçamento para indicações individuais de parlamentares. Ainda assim, no Brasil, consolidou-se uma prática que reduz a autonomia do governo para gerir políticas públicas e transforma congressistas em “gestores paralelos” do Orçamento da União.

Fundos públicos

O impacto eleitoral é direto e profundo. Emendas impositivas, especialmente as transferências especiais, permitem que parlamentares inaugurem obras, financiem projetos locais e assegurem visibilidade política que adversários não conseguem igualar. A lógica da reciprocidade — “o padrinho que traz recursos” — substitui critérios técnicos de planejamento e reforça o clientelismo, criando vínculos pessoais que se sobrepõem à institucionalidade.

Os efeitos são baixa renovação parlamentar, reeleição em massa e bloqueio à entrada de novas lideranças, num sistema que se pretende proporcional, mas funciona como uma disputa desigual entre quem já tem acesso a recursos públicos e quem depende apenas da força do voto.

O avanço sobre o Orçamento veio acompanhado de outros movimentos decisivos. O Congresso ampliou o cálculo de correção do fundo partidário, que deve ganhar pelo menos R$ 150 milhões adicionais, mudança que beneficia diretamente partidos já estruturados, reforça desigualdades internas e externas. O fundo partidário e fundo eleitoral foram blindados contra contingenciamentos, garantindo que R$ 4,9 bilhões destinados às campanhas de 2026 cheguem intactos aos partidos.

A LDO também alterou regras de execução fiscal para aliviar pressões sobre o Executivo. Por solicitação do governo, foi excluído da meta fiscal até R$ 10 bilhões em gastos com reestruturação de estatais, medida que, segundo parlamentares, deve facilitar o socorro aos Correios.

Após revisão do TCU, ficou estabelecido que o governo poderá adotar o piso da meta fiscal (deficit zero) como referência para congelamento de despesas, para evitar o risco de paralisia administrativa que o cumprimento do centro da meta (superavit de R$ 34,3 bilhões) poderia provocar.

No entanto, a disputa fiscal com o governo se tornou secundária diante da crise política entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), provocada pela decisão monocrática de Gilmar Mendes, que restringiu à Procuradoria-Geral da República a prerrogativa de apresentar pedidos de impeachment contra ministros do STF. Senadores de todas as correntes políticas se insurgiram contra o ministro e pressionam pela tramitação de PECs que limitam decisões monocráticas e ameaçam, mesmo assim, pautar pedidos de impeachment contra integrantes da Corte.

Leia mais: Para Gilmar, a Lei do Impeachment caducou

O episódio desnuda a crescente deterioração da relação entre Congresso e Judiciário, num ambiente já marcado pela desconfiança mútua e pela competição por protagonismo institucional. O uso eleitoral das emendas não apenas distorce o equilíbrio democrático, mas também alimenta a percepção de que o sistema político opera prioritariamente em benefício de seus próprios atores, e não da sociedade.

Nas entrelinhas: todas as colunas no Blog do Azedo

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

Posts recentes

Lula ganha de Motta presente de Natal de R$ 20 bi em aumento de receita

No fundo, a reaproximação é um pacto de sobrevivência para 2026. Motta precisa operar a…

14 horas atrás

De olho nas emendas parlamentares, Flávio Dino vira “caçador de jabutis”

Dino suspendeu os efeitos do dispositivo legal que exumava as emendas secretas. O dispositivo previa…

2 dias atrás

Orçamento sob medida para as eleições: R$ 61 bi em emendas parlamentares

Na prática, o que se vê é a substituição do planejamento público por uma lógica…

4 dias atrás

Supostos negócios de Lulinha com Careca do INSS são dor de cabeça para Lula

Estava tudo sob controle na CPMI, até aparecerem indícios de que Antônio Carlos Camilo Antunes,…

6 dias atrás

Acordo entre governo e oposição garante aprovação do PL da Dosimetria

O projeto altera a Lei de Execução Penal, redefine percentuais mínimos para progressão de regime…

1 semana atrás