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No país das maravilhas I
Hábito corriqueiro na maioria das democracias do mundo, as rodadas periódicas de entrevistas coletivas representam um ponto alto na comunicação direta entre o chefe de governo e a sociedade através de meios de comunicação livres e independentes. Pelo menos é assim que as coisas funcionam nas nações mais desenvolvidas do planeta. Falar para a imprensa, esclarecer fatos que interessam aos cidadãos torna-se numa obrigação natural à todos que ocupam cargos públicos, principalmente aqueles cargos preenchidos por meio de eleição. Infelizmente, no Brasil, desde 2002, essa modalidade de prestação de contas foi sendo paulatinamente desprezada , substituída por notas oficiais e outras formas indiretas de comunicação. Na ausência desse hábito salutar, os pronunciamentos e discursos passam a sofrer, pelos profissionais da comunicação, um verdadeiro processo de dissecação na busca de extrair dos textos informações úteis ao cidadão. É nesse modelo que se insere o discurso de posse da presidente Dilma Rousseff. Composto na sua maioria por frases soltas e de apelo fácil em tom ufanista, o discurso lido Congresso Nacional resvala ora para a propaganda de palanque, ora para uma espécie de prestação de contas em que as realizações de fato estão situadas apenas no campo da ficção e do triunfalismo, num enredo bem característico. Quem esperava uma radiografia realista do país ou um mea culpa pelos desacertos administrativos sucessivamente cometidos, ou mesmo por um programa consistente de propostas para o novo ciclo de gestão, ficou frustrado. Ao classificar seu governo como sendo um “ projeto de nação que triunfou e permanece devido aos grandes resultados que conseguiu até agora” a presidente parece estar falando de uma outra nação, e não a que colhe hoje os resultados pífios de uma gestão sofrida eivada de dúvidas e escândalos. Esse “projeto”, na visão da presidente, será de “ longo prazo .” Não bastasse esse arrazoado de ideias , a chefe do Executivo ainda teve a coragem de dizer que “Nunca o Brasil viveu um período tão longo sem crises institucionais”, quando todos sabemos que os escândalos do mensalão e do caso atual envolvendo a Petrobrás, levaram o governo às barra dos tribunais e, no seu caso específico foi muito mencionado, e ainda paira no ar, a hipótese de impeachment, embaçada pela inoperância da oposição. Neste ponto é possível até a afirmar que nunca, desde a sua formação, o Estado se viu envolto numa crise de proporções tão gigantescas, como na atualidade. “Nunca as instituições foram tão fortalecidas e respeitadas e nunca se apurou e puniu com tanta transparência a corrupção”, disse em seu discurso, ao creditar para si a iniciativa nas investigações. Também neste ponto Dilma, mais uma vez, parecia falar de outro país. A independência dos órgãos de investigação se dá exclusivamente à dispositivos inscritos na Constituição e não à boa vontade do Executivo que, aliás é alvo das atuais investigações. Noutro trecho do discurso Dilma cita o recado das urnas de forma enviesada .” O recado que o povo brasileiro nos mandou não foi só de reconhecimento e de confiança, foi também um recado de quem quer mais e melhor.” Na verdade a parte da população votou em suas propostas o fez motivado pela manutenção das políticas do tipo assistencialista e não nas “grandes mudanças”, conforme deu a entender. Quando se refere a “defesa permanente e obstinada da Constituição, das leis … e das mais ampla liberdade de expressão”, os fatos são distorcidos pelo esforço que o seu partido vem fazendo , sistematicamente no sentido de controlar a mídia , principalmente a mídia dita “golpista”. Não foi sem outra razão que o ministro Ricardo Berzoini foi deslocado da pasta de Relações Institucionais para o Ministério das Comunicações. A alocação de Berzoini no MC foi planejada para dar impulso à chamada regulação dos meios de comunicação, também conhecida como “democratização da mídia”.. No trecho em que a presidente diz: “o povo brasileiro quer ainda mais transparência e mais combate a todos os tipos de crimes, especialmente a corrupção e quer ainda que o braço forte da justiça alcance a todos “, além do lugar comum, não há como contestar tal desejo, não só no Brasil, mas em qualquer parte do mundo civilizado. Ao igualar o apoio que terá da base aliada com o “ esforço dos homens e mulheres do Judiciário”, misturando tudo com “o apoio dos movimentos sociais e dos sindicatos”, ficou no ar a suspeita de aparelhamento nos órgãos de justiça, mormente no STF, onde , possivelmente deve indicar ainda mais três nomes.
No quesito distribuição de renda versus crescimento a presidente acredita ser possível a continuidade nas concessões de benesses assistenciais, sem o devido crescimento da economia. “Assim como provamos que é possível crescer e distribuir renda, vamos provar que se pode fazer ajustes na economia sem revogar direitos conquistados ou trair compromissos sociais assumidos”. Também aqui os fatos desmentem a realidade. Dilma mandou fazer “ ajustes”, via Medida Provisória, nos benefícios trabalhistas e previdenciários ( abono salarial, seguro-desemprego, pensão por morte e auxílio-doença) para economizar R$ 18 bilhões anuais aos cofres públicos. “É inadiável, também, implantarmos práticas políticas mais modernas, éticas.” Neste ponto, ao longo desses últimos quatro anos, o governo tem se empenhado com afinco para desmentir e separar o que faz, de fato, das coisas de diz. Um exemplo está nas intervenções em órgãos como o IBGE e IPEA, para força-los a somente divulgar dados positivos ao governo. Sobre a “Reforma política que estimule o povo brasileiro a retomar seu gosto e sua admiração pela política.” Leia-se a instituição dos famigerados conselhos populares na gestão pública, ideia já enterrada pelo Congresso.