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Deus ex machina
Em 2008, segundo a IBM, 2,5 quintilhões de bytes foram produzidos diariamente, sendo que, de lá para cá, essa enorme massa de informações tem crescido a taxas astronômicas. Com tal volume de dados em circulação pelo planeta, a expressão Big Data entrou para o vocabulário cotidiano das pessoas e de conglomerados empresariais, num mundo conectado agora pela informação on-line. Hoje é recorrente nas grandes empresas a utilização do Big Data para levantamento estratégico de dados globais para a execução de determinado empreendimento. A própria Petrobras usou os dados colhidos pelo sistema do Big Data para levantamento de sítios submarinos do pré-sal onde a ocorrência de petróleo era mais factível. Além de ferramenta das empresas para alavancar novos negócios, o Big Data tem sido utilizado como importante e duvidoso meio de armazenamento de informações de dados pessoais dos indivíduos e de grupos. Essa é uma forma eletrônica de garantir não só vultusos lucros financeiros, mas, sobretudo, interferir ou mesmo manipular pessoas, a partir do conhecimento das características de cada um.
Deus criou o homem e o homem criou a máquina. Dessa forma, a máquina “enxergaria” no homem seu deus e criador onipotente, a quem tudo é possível. O ponto de apoio buscado por Arquimedes para mover o mundo foi encontrado na web e sua alavanca está na gigantesca base de dados colhida pelo Big Data. O lugar por excelência em que esse ponto de apoio é buscado para “erguer” o mundo tem endereço “geográfico” certo: as redes sociais de relacionamentos.
Aproveitando-se, talvez, da crescente solidão individual num mundo cada vez mais globalizado, sites de relacionamento como Facebook,Twitter,YouTube, Instagram, Tumblr, Flickr, Pinterest e outros milhares de “endereços” de encontros virtuais e trocas de informações têm se expandido a passos de gigante. Os especialistas nessa matéria já apontam a informação como a principal mercadoria de alto valor econômico na atualidade.
O caso Edward Snowden, envolvendo coleta de bilhões de dados em todo o mundo, em nome de pretensa política de segurança nacional, acendeu um sinal de alerta por toda parte. Também o jeito despretensioso com que milhões de pessoas postam suas vidas na web, abrindo-se como num divã psicanalítico, tem facilitado o trabalho dos coletores de dados.
Recentemente, os juízes da Suprema Corte americana decidiram, em bloco, que o conteúdo das informações digitais dos telefones celulares também deveria ser protegido da bisbilhotice dos agentes de polícia, dando-lhe a mesma inviolabilidade constitucional que os lares gozam contra as investidas arbitrárias do Estado.
Invasão, só com mandado judicial. Ainda assim, na esfera subliminar do mundo da informação e da enorme massa de dados acumulados, assiste-se a investida indiscriminada de toda sorte de olheiros, sempre dispostos a traçar o perfil desse ou daquele potencial cliente, eleitor, contribuinte ou o que valha.
Os governos, principalmente os daqueles países em que as leis da informática inexistem, e mesmo naqueles cujas leis são letras mortas, representam os maiores sorvedores de informação. Em nome do Estado, não medem esforços para saber da vida de todos e de cada um.O escândalo mais novo nessa xeretagem cibernética vem justamente do Facebook. Com apenas 10 anos de criação, o Facebook já age como raposa velha no mundo virtual.
Sob o pretexto de realizar uma experiência behaviorista e sem o consentimento dos envolvidos, esse site manipulou seu feed de notícias de quase 700 mil membros, separando-os entre aqueles que recebiam ou emitiam boas notícias e aqueles que recebiam ou emitiam notícias ruins.
O estudo, reunido sob o título Evidência experimental de contágio emocional em massa através de redes sociais, mostrou que os usuários do Facebook difundiam indiscriminadamente e na velocidade da luz as suas emoções estimuladas, negativa ou positivamente. Apesar das críticas vindas de diversos pesquisadores, a experiência serviu para demonstrar a capacidade que a mídia social tem de influenciar internautas. Isso na mesma proporção em que as pessoas se expõem nas redes.
Outro aspecto que chama a atenção é que, com tamanha exposição no mundo virtual, as pegadas deixadas pelas pessoas são facilmente decifradas, a ponto de gerar especialistas credenciados na interpretação dos anseios de cada um. Ao lado das diversas especialidades criadas após o advento dos computadores em rede, surge agora uma nova ciência social, com o pomposo nome de física social e que, à semelhança das ciências exatas, dos quantitativos e variáveis, seria capaz de prever aritmeticamente o comportamento das pessoas ou grupos. Isso é feito a partir de pistas deixadas nas redes, tais como os produtos que compram, com quem se relacionam, os exames médicos, a conta bancária, o Imposto de Renda, filmes, músicas baixadas, lugares prediletos e infinitas outras informações.
Com esses dados é possível traçar um perfil realista do indivíduo, pessoa, contribuinte, cliente, prevendo, inclusive, seu comportamento como algo mensurável matematicamente. Num planeta com tal volume de informação circulante, no qual a personalidade de cada um se perde como gotas no oceano imenso, o homem vai, pouco a pouco, erguendo seu labirinto e perdendo, talvez, a única riqueza que possui: a individualidade e o caráter sui generis de ser.
(Coluna originalmente publicada em 13/7/2014)