Da crisálida à borboleta

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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Charge: Nani Humor

 

Algum dia lá adiante, em alguma sala fria de arquivo ou em uma aula de história contemporânea, uma data de janeiro será revisitada com a distância que só o tempo permite. Aquilo que hoje mobiliza manchetes e entusiasmos será observado com olhos mais contidos, mais analíticos, menos apaixonados. Porque a memória, com o correr dos anos, tem o curioso hábito de revisar tudo aquilo que o presente consagrou como verdade. O que se celebra como firmeza, talvez soe como encenação. O que se apresenta como justiça, poderá um dia ser lido como teatro. E o que hoje é apontado como “exemplo”, amanhã pode surgir como advertência. O tempo, senhor de todas as versões, costuma expor aquilo que a narrativa cobre com o véu do interesse. O que parecia claro, nítido, consensual, com o tempo, revela suas sombras e zonas de ambiguidade.

A História — essa observadora obstinada — é feita  de desconstruções. E, talvez, ao olhar para trás, veremos que aquilo que parecia um julgamento emblemático foi, em muitos momentos, também um exercício estético de poder. Um tribunal, que antes falava por acórdãos, começou a falar por câmeras e holofotes. O silêncio solene deu lugar à cadência de frases planejadas. O que era para ser técnica jurídica virou gesto midiático. E assim, sob os refletores da audiência pública, a toga trocou o peso do recato pelo brilho do palco.

Nesse novo cenário, não há espaço para recuos. O julgador virou personagem. O argumento virou roteiro. E o debate jurídico se converteu em dramaturgia institucional. A presença constante de certas figuras togadas nas telas, nas transmissões, nas redes sociais, produziu uma nova simbologia. O juiz, que antes se resguardava, agora se apresenta. O tribunal que se dizia árbitro, agora atua como protagonista. E, no espaço que deveria ser de escuta técnica, passou a ecoar slogans cuidadosamente planejados para viralizar. Há, claro, quem celebre essa transparência. Mas é preciso perguntar: até que ponto a exposição é virtude, e em que momento ela se torna vaidade? Onde termina a pedagogia democrática e onde começa a busca por influência simbólica?

A resposta talvez esteja em detalhes quase imperceptíveis — na escolha das palavras, na entonação dramática, na pausa calculada, no olhar treinado para a lente. E o que era para ser exceção tornou-se método. Assim, o tribunal, que deveria ser discreto, passou a ocupar um espaço onipresente. E, de tanto estar em cena, corre o risco de deixar de ser referência para se tornar apenas mais uma voz no ruído geral. O recado se dilui. A autoridade se desgasta. A neutralidade, essa base silenciosa do julgador, começa a ser confundida com alinhamento. Afinal, quando os intérpretes da Constituição parecem afinados demais com as vontades do dia, a própria Carta passa a ser lida como espelho de ocasião. O princípio cede lugar à conveniência. A regra vira argumento para decisões que extrapolam o texto. E a interpretação, essa ferramenta legítima, transforma-se num bisturi que corta a realidade conforme o modelo desejado. A hermenêutica jurídica — antes usada para esclarecer zonas cinzentas — passa a servir como tinta para pintar cenários de ideias políticas. Liberdades, garantias, competências, tudo pode ser redimensionado quando o juiz assume o lugar do legislador, do governante, do intérprete moral da sociedade. Em alguns momentos, o julgamento parecia menos um rito e mais uma cerimônia.

Um evento cuidadosamente embalado para consumo midiático. Os votos deixaram de convencer pelo argumento e passaram a seduzir pela forma. A dramaticidade substituiu a sobriedade. O tom categórico tomou o lugar da dúvida técnica. E a liturgia deu espaço à coreografia. Resta saber como isso será lembrado. Como se narrará essa fase? O que ficará nos livros? O que será dito nos cursos de direito? Como os jovens juristas interpretarão essas decisões daqui a duas décadas? Talvez se diga que era um tempo de exceção. Talvez se tente justificar os excessos com a gravidade dos fatos. Mas talvez também surja a consciência de que a resposta institucional, mesmo diante da crise, precisa manter seus próprios limites. Porque quando a toga se torna símbolo de poder e não de contenção, a justiça corre o risco de se parecer com aquilo que deveria combater: a manipulação.

Em regimes democráticos, o risco maior nem sempre é o autoritarismo escancarado, mas o autoritarismo justificado pela retórica jurídica. Por isso é que tantos juristas antigos alertavam: interpretar a Constituição é necessário, mas perigoso. Porque entre o verbo e a vontade, existe uma linha tênue. Paul Cliter Kuiper já dizia: “A Constituição não se interpreta, se cumpre.” Em tempos normais, essa frase pareceria simplista. Mas, em tempos performáticos, ela se torna um grito. Afinal, quando todos interpretam segundo suas verdades, a lei vira disputa de narrativas. E o que deveria unir passa a dividir. A corte, que deveria garantir o equilíbrio, move-se. Por se mover demais, deixa de ser referência para virar vetor. E assim seguimos, num tempo em que a segurança jurídica é constantemente atravessada por vontades, simbolismos, lealdades circunstanciais e construções retóricas.

A busca incessante é pela confiança de que, mesmo quando não concordamos com as decisões, sabemos que elas vêm do Direito — e não de uma agenda. Essa confiança, quando abalada, demora décadas para ser restaurada. E, talvez, lá na frente, seja disso que mais sentiremos falta.

 

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Não há nada em uma lagarta que diga que ela se tornará uma borboleta.”

R. Buckminster Fuller

R. Buckminster Fuller. Fotografia: Arquivos da CSU / Everett

 

História de Brasília

Para os arquivos do automobilismo, aqui estão os números das chapas do desastre do Eixo Monumental:25-94 e 9-9890. (Publicada em 05.05.1962)

Lembranças da Inteligência Natural

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Lula e sua equipe de ministros. Foto: Ricardo Stuckert.

 

           Para que seja possível entender, com mais clareza, a natureza do atual momento político atravessado pelo país, sob a perspectiva de um novo e exclusivo modelo de democracia relativa desenhada conforme o desejo de uma elite dirigente instalada no poder, é preciso, antes de tudo, adentrarmos no que os dicionários definem como Ponerologia e Patocracia.

          Os termos, ambos criados pelo psiquiatra polonês Andrzej M. Lobaczewski dizem muito sobre o atual momento político nacional. O primeiro pode ser definido como o estudo do mal ou mais especificamente como ciência da natureza do mal, adaptada a propósitos políticos. Em sua obra, “A Science on the Nature of Evil Adjusted for Political Purposes”, por diversas vezes banida, por motivos óbvios, Lobaczewski  descreve, com fatos históricos, um sistema de governo forjado por uma minoria psicopata ao assumir o controle da vida de pessoas numa sociedade.

          Esses indivíduos passam então a ocupar posições em cargos políticos e de influência intelectual, sobretudo dentro das universidades, agindo aqui como uma espécie de “pedagogos da sociedade”. Em comum, eles nutrem ideias do tipo grandiosas, geralmente tendo como fonte processos mentais patológicos, que não os impede de impor suas teses e métodos.

          Nesse caso, o resultado vem com o empobrecimento da cultura e das tradições e com a deformidade do caráter das pessoas. Com isso, o cidadão passa a perder a capacidade de raciocínio lógico, incapaz de distinguir a verdade da mentira, passando a aceitar a paralógica desses psicopatas.

         Daí decorre também o segundo conceito criado por Lobaczewski, a patocracia, definida como o modo como os psicopatas influenciam no avanço da injustiça social, e com isso, abrem caminho para a tomada do poder.

         As características concretas a definir ambos os conceitos estão em toda a parte, desde a extrema desigualdade perante as leis de uns grupos em relação a outros, como no desejo contínuo de controlar os meios de comunicação; passando por corrupção generalizada, e, no caso atual, feita pelos mesmos personagens de volta ao poder; a supressão do individualismo; a valorização de artes e artistas que se enquadram no novo modelo. Nesse caso aqui abre-se um parêntese para lembrar que o atual governo destinou R$ 16 bilhões da Lei Rounet, com foco para artistas que o apoiam.

         Há ainda o empobrecimento dos valores morais, como é o caso da destruição da família, da religião, do conceito de pátria; a ideologia fanática; a intolerância e a suspeita aos que pensam diferente; o controle centralizado; prêmios para delatores; e pouca ou nenhuma transparência com o governo adotando medidas secretas e com alto controle interno.

         Governo paranoico, com legislação excessiva e arbitrária, e com o poder de decisão da sociedade removido; hipocrisia e desprezo para com os cidadãos. Governo exercido pela força, pelo medo, pela exploração da sociedade por meio de impostos e encargos excessivos, pela restrição da vida espiritual, considerada como doutrinação, pela divisão arbitrária das pessoas, por cor, sexo, credo e a instigação da luta entre eles; além da supressão da liberdade de expressão e de debates públicos e protestos, bem como pela violação de direitos humanos, como verificado no caso dos milhares de presos do 8 de janeiro passado, com detenção sem acusação formal, tortura e abusos.

A frase que foi pronunciada:

“De fato eles podem imitar sentimentos, mas os únicos sentimentos reais que parecem ter – aquilo que os move e os leva a representar diferentes dramas para o efeito – é uma espécie de “fome predatória” pelo que querem.”

Andrzej Lobaczewski

Divisas

O engenheiro paulista João Conrado do Amaral Gurgel apresentava, no programa Silvio Santos, o primeiro carro elétrico do Brasil. Era o ano de 1974. Assim como Gurgel, milhares de gênios brasileiros são humilhados e desprezados pelas nossas autoridades.

João Augusto do Amaral Gurgel apresentando o Itaipu no Programo Silvio Santos

 

Manha

Pela história de Brasília, escrita por Ari Cunha nesta coluna, em 1962, mudamos pouco ou nada de lá para cá. Pior é que muitas tendas distribuídas na região do Plano Piloto são habitadas por cidadãos que têm casa. Pegam as crianças e começam o acampamento pela manhã, à espera de caridade.

Foto: globoplay.globo.com

 

Concentração

Um acidente raro na L4 Norte ontem à tarde. A via foi interditada porque ciclistas causaram o acidente entre si. Concentrados em velocidade, normalmente com a vista baixa, o elemento surpresa foi suficiente para o estrago. Clavícula, ombro, braço foram as partes mais atingidas. O Corpo de Bombeiros chegou rápido ao local e transportou os feridos mais graves para o hospital Home.

Foto: CBMDF/Divulgação

 

História de Brasília

A polícia não demonstrou o mínimo desejo de cooperar com a cidade, evitando a proliferação de barracos. Efetivamente sua missão é outra, e desde que haja disposição em não ajudar, calaremos a bôca. Vamos bater noutra porta, contando que o Plano Pilôto não seja tão prejudicado. (Publicada em 28.03.1962)