O bem-estar da população

Publicado em 0 ComentáriosÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

 

Charge do JCaesar: 14 de julho (JCaesar/VEJA)

 

Sendo o único animal que se move por interesses, o homem é, por conseguinte, um ser negociador. A política é, em si, a arte de negociar acordos, estabelecendo pontes. O impasse enfrentado, agora, pelo Brasil com a taxação imposta pelos americanos aos produtos de nosso país, é a prova inequívoca de que negociar é tão importante quanto respirar. É, nesse ponto, quando a maré baixa, que vemos quem de fato estava nadando nu.

Fosse colocado como pré-requisito aos candidatos ao governo o notório saber nas artes de negociar, em todas as suas vertentes, quer seja na política, nos tratados econômicos, nos mercantis poucos ou quase nenhum de nossos candidatos às eleições atenderiam essa exigência. O fato é que o bem-estar da população vem do direcionamento correto nas negociações. No caso do Estado, as negociações são feitas para atender as necessidades reais de sua população, e não para as pretensões dos governos. Não por outra razão, os países que mais se destacam na qualidade de vida dos seus cidadãos são, justamente, aqueles que têm sob seu comando pessoas dotadas da habilidade da negociação. Países que não têm em seus governos dirigentes que saibam negociar, ou nada entendem desse mister, são justamente aqueles em que as populações são as mais atingidas por crises cíclicas e profundas.

Negociar, antes de ser uma ciência humana, é uma arte delicada, em que é possível encontrar o ponto de equilíbrio entre interesses diversos e diferentes. Só a boa negociação torna o negócio rentável, embora se saiba que, na verdadeira negociação, todos acabam ganhando. O que fez do Itamaraty o que ele era nas relações internacionais foi, justamente, essa capacidade que os representantes do Brasil tinham de bem negociar. Hoje, essa fama ficou no passado, substituída por variantes outras, como conceitos moldados em argamassa, o que não propicia riqueza e, sim, dependência.

À luz de fatos concretos recentes, divulgados pela imprensa econômica e por agências de comércio internacional, é notório que, nos últimos meses, os Estados Unidos anunciaram, oficialmente, novas tarifas sobre produtos importados do Brasil, com destaque para o aço e o alumínio, setores historicamente sensíveis. A justificativa americana, como de praxe, é de “segurança nacional e protecionismo econômico”, mas há claros elementos geopolíticos e de pressão comercial em jogo. Em alguns casos, o Brasil foi equiparado a países como China e Rússia, no que diz respeito a barreiras tarifárias, o que é um indicativo preocupante de perda de prestígio diplomático.

Segundo dados da ComexStat e do Ministério da Indústria e Comércio, em 2024, o Brasil exportou mais de US$ 4 bilhões em produtos metálicos aos EUA. Com as novas taxações, parte significativa desse comércio se tornará inviável, o que pode levar à perda de milhares de empregos na cadeia industrial brasileira e à retração em polos siderúrgicos importantes, como Minas Gerais e Espírito Santo. Enquanto alguns países, como México, Canadá e Coreia do Sul, conseguiram renegociar, ou pelo menos adiar a aplicação de tarifas unilaterais por parte dos EUA, o Brasil tem se mostrado desinteressado em buscar soluções diplomáticas reais. O Ministério das Relações Exteriores emitiu apenas notas protocolares, e não há registros de ações contundentes de pressão junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) ou tentativas de construir coalizões diplomáticas multilaterais, como seria esperado em uma situação com tamanho impacto.

A condução da política externa brasileira tem sido reiteradamente eivada de desprezo. Isso transforma negociações comerciais em palco de confronto simbólico, e não em arenas de construção de consenso que dê segurança à população e aos investidores. Em vez de usar as instituições multilaterais, a diplomacia técnica e o pragmatismo, o Brasil tem optado por respostas retóricas e, até agora, ineficazes. As consequências para a população brasileira serão severas.

A médio e longo prazo, os impactos de uma diplomacia ineficiente recaem diretamente sobre a sociedade brasileira, na forma de desemprego em setores exportadores sensíveis; aumento da informalidade, especialmente, em regiões industriais; inflação decorrente da instabilidade cambial e perda de competitividade; isolamento comercial, dificultando a entrada do Brasil em cadeias globais de valor; além de uma diminuição de investimentos estrangeiros diretos, dado o risco percebido pelos investidores sobre a previsibilidade política e econômica do país.

Estudo recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que o Brasil perde até R$ 40 bilhões ao ano por não integrar acordos comerciais relevantes com países desenvolvidos, muitos dos quais são parceiros históricos dos EUA. Negociar nesse mundo globalizado é governar. Resta saber que interesses o atual governo tem para tirar o Brasil da roda. O país enfrenta o mundo com discursos, enquanto os demais países negociam com cláusulas, garantias, acordos e assinaturas.

Negociar não é sinal de fraqueza, é expressão de inteligência estratégica. O Itamaraty já foi referência global em diplomacia técnica, tendo desempenhado papel central em fóruns como a Rodada de Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou nas negociações do Acordo de Paris. Hoje, essa herança foi desperdiçada. Se quisermos garantir prosperidade interna e relevância internacional, é urgente resgatar a arte da boa negociação, entendendo que, em um mundo interdependente, a soberania real é exercida com inteligência e diálogo, e não com trincheiras ideológicas e outras opções nada práticas. A questão é: há interesse em garantir a prosperidade do povo desta nação?

 

A frase que foi pronunciada:
“A ciência é inerentemente antiautoritária tal como a democracia. Ao contrário do que por vezes se julga, em ciência não existem autoridades, mas sim especialistas, pois apenas à realidade se reconhece autoridade para escolher entre hipóteses rivais.”
Timothy Ferris

Timothy Ferriss. Foto: wikipedia.org

 

História de Brasília
Um dos graves problemas do ex-Distrito Federal é o do trânsito. A cápsula que conduziu Glen Jr. Ao kosmos levou, do Galeão para a Cinelândia, um terço do tempo que gastou para uma volta em tôrno da Terra. (Publicada em 6/5/1962)