Em estado de bisbilhotice

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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Arte: Manu Chagas/Portal Imbiara

 

Todo o cuidado é pouco quando o assunto é imunidade cidadã no Brasil ou, mais precisamente, privacidade e direito ao sigilo e à toda informação sobre a intimidade fiscal, financeira e de opinião. Esses cuidados devem ainda ser aumentados caso o cidadão seja um idoso ou pessoa, digamos, sem costas largas, distante e desconhecido pelas elites instaladas no poder.

A cada dia que passa, o brasileiro vai assistindo aos seus direitos à confidencialidade de dados (bancários, fiscais e outros) serem diluídos ou, simplesmente, ignorados pelo Estado. Há 500 anos, o bardo Camões protestava sobre essa questão da seguinte maneira: “Leis em favor dos reis se estabelecem. E as em favor do povo só perecem”. Tolo é aquele cidadão nacional que ainda acredita ter seus dados pessoais protegidos e resguardados em segurança.

Numa democracia de direito, em que todos recebem o mesmo tratamento e cuidado das leis, o sigilo representa uma pedra angular capaz de assegurar a cidadania. Uma vez rompida a confiança depositada pelo cidadão, de que seus dados são protegidos por lei, dificilmente ela será restabelecida. Nesse caso, para se proteger dessas intromissões indevidas e da própria espionagem estatal, os indivíduos passam a buscar outros meios de administrar seus dados, mantendo-os, o máximo possível, longe da bisbilhotice obscura do Estado e dos sistemas de mercado em compras e pagamentos.

Essa situação também se repete, e de modo até mais explícito nas redes sociais, nas quais o Estado, autodenominado, agora, tutor das liberdades individuais, fiscaliza e pune suas manifestações, cancelando, sem maiores garantias, aquelas redes que não prestam vênias aos ditames do poder. O estado de vigilância onipresente é hoje uma obsessão, transformando a vida do cidadão numa ciranda de paranoias e medos.

Do esquadrinhamento kafkiano da vida e dos dados pessoais dos cidadãos ao confisco de seus recursos e bens, é um pulo pequeno e fácil. A todo o momento, chegam notícias de que o Estado se aproxima cada vez mais da porta de sua casa. Dependendo da situação, entra sem bater na porta. Em você, é outro caso. Não há para onde correr.

Nas farmácias de todo país, o hábito enganoso e quase imaculado de pedir ao cliente o número do CPF, supostamente para promover um desconto no medicamento ou produto, esconde uma das grandes maracutaias do comércio e que tem passado despercebida pelas autoridades sonolentas. Uma vez anotado o CPF, seus dados são automaticamente direcionados para anúncios próprios e outros setores dessa indústria bilionária, para aumentar ainda mais os lucros, num mercado sabidamente oligopolizado e em que a concorrência é tão fake quanto as promoções anunciadas.

Foi publicada uma Nota Técnica emitida pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados mostrando que as farmácias, ao coletar seus dados e informações pelo CPF, utilizam esse conhecimento para negociar anúncios de forma segmentada e direcionados, alimentando um enorme banco de dados, que contém praticamente todos os detalhes sobre o histórico de saúde e doença, medicamentos usados e outras valiosas informações. São dezenas de milhões de dados armazenados e que servem para a construção de algoritmos que darão instruções para executar a tarefa da internet e vender os produtos que você, em tese, “precisa” adquirir.

Em outros países, o comércio não se atreve a pedir o CPF ou número de segurança dos clientes, pois sabem que isso é crime. Existe um dispositivo legal, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), mas ninguém sabe onde anda e para que serve. O melhor é encarar a verdade de que não existe sigilo de dados. Na última sexta-feira, o Supremo Tribunal Federal
(STF) considerou constitucional que os bancos compartilhem suas informações com as autoridades fiscais estaduais. Por 6 a 5 e com muitas discussões, a Corte validou o convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para que sejam repassadas aos fiscos estaduais as operações por meio de Pix e cartões de débito e crédito dos brasileiros. O objetivo é aprimorar a cobrança de mais impostos de pessoas físicas e jurídicas, cercando toda e qualquer movimentação financeira realizada pelo cidadão.

Para o Conselho Nacional do Sistema Financeiro (Consif), a validação dessa medida fere as leis de sigilo bancário, impondo obrigações adicionais no processo de recolhimento de ICMS. Outras entidades mais ligadas ao assunto asseguram que a medida trará o fim do sigilo e desse direito que, na Constituição, estão garantidos de modo claro e sem espaço para dúvidas. Para os que têm prerrogativas infinitas de direito, o sigilo pode ser estendido por até um século, basta ver a situação dos cartões corporativos do Estado. Para os demais, os rigores das leis e das possibilidades de o Estado agir como lhe aprouver.

 

A frase que foi pronunciada:
“A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia.”
Ulysses Guimarães

 

Foto: agenciabrasil.ebc.com.br

 

História de Brasília
Há reclamação de que os bebedouros da Caseb estão quase sempre fechados, prejudicando os alunos e dando lucros aos fabricantes de sorvete que ninguém sabe de onde vem. (Publicada em 18/4/1962)