Imagem do povo brasileiro no espelho da história

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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

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Desde sempre, a população foi mantida à margem da história do Brasil. O que sempre prevaleceu foram arranjos do tipo burocrático ou tecnocrático que visavam manter o status quo e a lógica perversa do patrimonialismo. A república, desde a sua instalação, jamais teve a hombridade de legitimar quaisquer dos princípios que justificassem a sua implantação. A República tem sido deles, ou seja, da minoria que passou a se assenhorear-se do Estado. E isso, quer queiramos ou não, gera consequências profundas na vida das pessoas, moldando um tipo de nação que sempre tem se colocado à margem, sem participação cívica em o que quer que seja e sem, principalmente, soberania popular; e, por tabela, sem promoção da justiça.

Há uma tese que atravessa gerações e sobrevive aos discursos oficiais: a de que o empobrecimento do brasileiro não é um acidente histórico, mas um projeto político cuidadosamente mantido. Desde o golpe palaciano que instituiu a República, em 1889, o Brasil vem sendo moldado segundo interesses que, sob o disfarce da modernização, nunca se preocuparam em construir uma nação democrática, participativa ou socialmente justa.

O povo, esse “amontoado de ninguém” ausente da história, sempre foi convocado apenas na hora de legitimar o poder de outros, como eleitor, massa de manobra ou plateia silenciosa. A chamada “Proclamação da República” foi, na verdade, um rearranjo de forças entre militares e civis que desejavam romper com o Império não para libertar o país, mas para apropriar-se do Estado. A promessa de um novo tempo não passou de um slogan, uma narrativa que serviu para mascarar a tomada de poder por uma minoria burocrática e tecnocrática.

Seja a República Nova que se seguiu Velha, ou mesmo a “Nova República” pós-1988 manteve o mesmo vício de origem: a exclusão popular como fundamento de governo. Desde então, o Brasil vive sob o império de um patrimonialismo refinado, em que o público é tratado como propriedade privada e o Estado serve de abrigo para corporações, grupos de interesse e oligarquias regionais. A cidadania, neste modelo, é um adereço retórico. Os governos mudam, as ideologias se alternam, mas o cidadão permanece à margem sem voz, sem poder e, sobretudo, sem acesso real aos bens e serviços que lhe garantiriam autonomia.

Nesse contexto, o empobrecimento não é mero resultado de crises econômicas ou má gestão. É uma política de controle social. O cidadão economicamente frágil depende do Estado para sobreviver e, portanto, torna-se mais suscetível à manipulação política. Programas sociais, em vez de instrumentos de emancipação, são convertidos em cabrestos modernos. Benefícios que deveriam ser degraus para a independência transformam-se em armadilhas que perpetuam a dependência. O assistencialismo, quando mal conduzido, substitui a cidadania por clientelismo e desmobiliza a consciência crítica. As finanças públicas, descontroladas, não são apenas incompetência: são parte do mecanismo de perpetuação da pobreza.

O déficit fiscal crônico serve de pretexto para cortes sociais, arrocho salarial e dependência internacional. Ao mesmo tempo, a elite econômica, sempre bem instalada, acumula lucros recordes em setores protegidos pelo próprio Estado, bancos, empreiteiras, mineradoras, agronegócio exportador.

Uma sociedade profundamente desigual, em que a riqueza se concentra no topo, enquanto o restante da população disputa migalhas, é o resultado. As reformas que prometem eficiência acabam por fortalecer o controle de poucos sobre muitos. A lógica é simples: quanto mais pobre o indivíduo, mais fácil controlar o país.

O empobrecimento coletivo também é cultural. Uma população sem acesso à educação de qualidade, à informação livre e à consciência crítica dificilmente compreenderá o alcance de sua força política. O desmonte sistemático da educação pública, a precarização das universidades e o abandono da cultura são faces do mesmo objetivo: manter o cidadão em condição de servidão intelectual.

Em vez de garantir igualdade, o Estado brasileiro tornou-se uma máquina de perpetuar privilégios. A política fiscal regressiva, o sistema tributário injusto e a burocracia que sufoca pequenos empreendedores são exemplos claros de um modelo desenhado para concentrar renda e poder. Enquanto o trabalhador paga impostos em cascata sobre o consumo, os grandes capitais se beneficiam de brechas legais e generosos incentivos.

A verdadeira soberania popular, aquela que nasce da autonomia econômica e da consciência política, permanece interditada. O Brasil precisa enfrentar esse paradoxo histórico: só haverá República de fato quando houver povo de verdade. E só haverá povo de verdade quando o Estado deixar de ser o instrumento dos poucos para tornar-se o espaço de todos. Até lá, continuaremos sob a mesma bandeira de sempre: verde, amarela e profundamente desigual.

 

A frase que foi pronunciada:

“A ignorância é uma estratégia política não um fracasso do sistema, mas seu propósito.”

Darcy Ribeiro

Darcy Ribeiro. Foto: escoladarcyribeiro.org

História de Brasília

Corre a boca miuda na cidade, que a Comissão de Inquérito da Novacap não apurará nada contra ninguém. Nos primeiros dias de trabalho um jornalista carioca procurou atingir a honorabilidade dos seus membros, ressaltando apenas o dr. Bessa (Publicada em 10.05.1962)

Eleitor paga promessas… de campanha

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Charge: novoeste.com

Em matéria tributária, o paradoxo brasileiro é tão evidente que quase já não causa estranhamento. A recente atualização da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, apresentada como medida de alívio às camadas de menor renda, repete um enredo conhecido: na prática, mantém privilégios para os mais ricos e pouco altera a desigualdade estrutural.

Em 2024, a carga tributária bruta brasileira alcançou 32,32% do Produto Interno Bruto, segundo dados do Tesouro Nacional. O número coloca o país entre os que mais tributam no mundo, em patamar semelhante ao de economias desenvolvidas, mas sem a correspondente qualidade nos serviços públicos. O paradoxo se agrava quando se observa que, apesar da pesada arrecadação, o Brasil ocupa a pior posição no ranking do Estudo IRBES 2023 — que avaliou o retorno social dos tributos entre os 30 países com maior carga tributária. Na prática, cobra-se como país rico e devolve-se como nação pobre.

Cotidianamente a percepção dessa contradição explica a disseminação da chamada cultura do escapismo fiscal. O contribuinte médio, consciente de seu esforço, sabe que não terá acesso a hospitais adequados, escolas dignas ou transporte decente, e a partir daí o problema não se resume apenas à evasão. A maior distorção está no próprio desenho da tributação, que isenta lucros e dividendos e concentra o peso sobre salários. De acordo com estudos oficiais, para cada real pago em imposto pelos mais ricos, outros dois reais permanecem intocados em rendimentos não tributáveis.

Em contrapartida, trabalhadores que recebem entre um e dois salários mínimos veem, para cada real isento, outros R$ 7,60 confiscados na fonte ou na declaração. Nesse contexto, as promessas de campanha que ampliam gastos públicos apenas reforçam a engrenagem do desequilíbrio. A multiplicação de ministérios, a manutenção de programas sem fonte de custeio e a ampliação de benefícios sociais sem a correspondente base arrecadatória aumentam a pressão sobre o orçamento. O Tesouro Nacional informou que a dívida bruta já supera 75% do PIB, percentual elevado para uma economia emergente. Alguém inevitavelmente terá de pagar essa conta, e a história mostra que a fatura recai quase sempre sobre a classe média e os trabalhadores formais.

Há, ademais, o problema da opacidade fiscal. Apesar das normas de transparência, a execução orçamentária continua marcada por manobras, apelidadas de “pedaladas” quando ganharam notoriedade política. O mecanismo de mascarar resultados, embora duramente criticado, ainda resiste sob novas roupagens. Segundo a Confederação Nacional da Indústria, a própria complexidade do sistema custa às empresas cerca de R$ 60 bilhões anuais apenas em horas destinadas ao cumprimento de obrigações acessórias. É um peso que desestimula investimentos e corrói a competitividade.

O Projeto de Lei nº 1.087/2025, atualmente em tramitação no Congresso, tenta alterar esse quadro. A proposta prevê isenção para quem recebe até R$ 5 mil por mês, redução de alíquotas até R$ 7 mil e, sobretudo, a criação de um imposto mínimo sobre super-ricos. Estudo do Ministério da Fazenda indica que a medida poderia elevar em até 45% a tributação sobre o 0,01% mais rico da população, corrigindo uma distorção histórica. Além disso, a desigualdade medida pelo Índice de Gini cairia de 0,6185 para 0,6178, e a progressividade do sistema aumentaria em 30%. Ainda que modestos, são efeitos concretos na busca por maior justiça fiscal.

Na tabela já definida para 2025/2026, a faixa de isenção foi ampliada para R$ 27.110,40 anuais, com alíquotas progressivas que chegam a 27,5% para rendimentos acima de R$ 55.976,16. Embora o avanço represente alívio pontual, não enfrenta a raiz da desigualdade: a ausência de tributação sobre grandes fortunas, lucros e dividendos. Sem essa correção, o discurso de justiça tributária permanece mais retórico do que efetivo.

Imposto, em qualquer tempo histórico, foi percebido como imposição. A diferença está no que o Estado devolve à sociedade. Países que alcançaram equilíbrio social transformaram tributos em serviços públicos de qualidade, entendendo a arrecadação como pacto coletivo. No Brasil, o pacto está rompido. Cidadãos pagam muito, recebem pouco e ainda convivem com o espetáculo de desperdícios e privilégios. O contribuinte comum não se recusa a colaborar, mas cobra transparência, eficiência e retorno, no mínimo.

A cada nova eleição, renova-se a promessa de alívio. Contudo, o que se observa é a repetição de práticas que oneram quem menos pode e preservam quem mais acumula. Sem coragem política para rever isenções, simplificar o sistema e combater o desperdício, o país continuará condenado a viver sob o signo do paradoxo: tributa como nação rica, devolve como sociedade pobre, e perpetua a desigualdade que promete combater.

 

 

A frase que foi pronunciada:
“O desafio da esquerda é maior do que nunca. A gente nunca conviveu com uma situação tão adversa.”
Fernando Haddad

Foto: carlossousa.com.br

 

História de Brasília
O que há é falso sensacionalismo. Pura e simplesmente. O rapaz está há um ano esperando julgamento e já foi adiado duas vêzes. (Publicado em 08.05.1961)