Sem recesso para os escândalos

Publicado em Deixe um comentárioÍNTEGRA

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

 

Praça dos 3 Poderes. Foto: Tony Winston/Agência Brasília/Divulgação

 

Há algo profundamente dissonante, quase surreal, na ideia de que investigações sobre desvios bilionários de recursos públicos possam entrar em recesso, como se o calendário institucional tivesse o poder mágico de suspender o curso dos crimes. A CPMI que investiga os descontos indevidos nos benefícios de milhões de aposentados do INSS, assim como as apurações envolvendo o chamado caso Banco Master, não lidam com meras irregularidades administrativas: tratam de um ataque direto à dignidade humana, à confiança pública e ao próprio pacto civilizatório que sustenta o Estado brasileiro.

Encerrar ou “hibernar” essas investigações sob o argumento do recesso do aparelho do Estado equivale, na prática, a conceder um salvo-conduto temporário aos acusados. O crime não tira férias. A corrupção tampouco. Pelo contrário: períodos de menor vigilância institucional sempre foram historicamente férteis para o avanço de esquemas ilícitos, a destruição de provas, a combinação de versões e o apagamento seletivo da memória pública. A mensagem transmitida à sociedade é devastadora: o Estado descansa, enquanto o dinheiro público continua a escorrer pelos bueiros da corrupção.

Não se trata aqui de ingenuidade. Em democracias maduras, com instituições sólidas e cultura de responsabilização, o recesso é apenas uma pausa administrativa. No Brasil, porém, ele frequentemente se transforma em instrumento tático de procrastinação, uma espécie de anestesia institucional aplicada nos momentos mais sensíveis das apurações. O caso dos descontos indevidos em aposentadorias não é apenas um escândalo financeiro. É um escândalo moral que desperta, no contribuinte, dúvidas cada vez mais perigosas. Afeta uma população vulnerável, composta, majoritariamente, por idosos que dependem integralmente desses recursos para sobreviver.

Quando o Estado falha em protegê-los, ou pior, quando agentes ligados a estruturas estatais participam ou se omitem diante do saque, o dano ultrapassa o campo econômico e atinge o núcleo ético da República. Suspender investigações dessa magnitude significa empurrar 2025 para um limbo institucional, marcado pela inconclusão, pela sensação de impunidade anunciada e pelo enfraquecimento da confiança social.

A metáfora do Executivo pendurado no teto, sustentado apenas pelos fios do pincel, flutuando cego no ar, não é por acaso: ela descreve, com precisão, o estado atual da governança nacional. O Executivo, envolvido direta ou indiretamente na paisagem que agora se revela, vê-se paralisado entre a necessidade de governar e o peso crescente das suspeitas que o cercam.

O Legislativo, por sua vez, despenca ladeira abaixo ao abdicar de sua função fiscalizadora em nome do conforto do calendário. O Judiciário, mesmo não entrando formalmente em recesso pleno, frequentemente se move em compasso de espera, aguardando que o “tempo político” amadureça uma postura que, em casos de corrupção sistêmica, costuma beneficiar apenas os investigados.

Quando os três Poderes entram, simultaneamente, em estado de suspensão operacional, a democracia deixa de funcionar como deve ser. O Estado passa a desmoronar de dentro pra fora, corroído pela cumpinzada, desde o cerne. O acordo tácito de autopreservação fala mais alto do que o interesse da população. E isso é antinatural. O que deveria interessar ao Estado seria o interesse da população e não o seu contrário.

Corrupção não é um acidente de percurso. Ela é um fenômeno estrutural, adaptativo e oportunista. Aprende rapidamente onde estão as brechas e se intensifica exatamente quando a vigilância social diminui. Durante as quadrilhas de julho, a chegada dos Grinches aos blocos dos sujos sempre foi momento privilegiado para o avanço de práticas ilícitas.

O cidadão se sente ainda mais inseguro. Como já advertia Max Weber, a ética da responsabilidade deve prevalecer sobre a ética da conveniência, quando se trata da administração pública. O resultado é um país onde escândalos se acumulam sem desfecho, CPIs produzem volumes de papel sem consequências práticas e a indignação pública é lentamente corroída pelo cansaço. Mais danoso do que o escândalo em si é a sua não resolução.

Percebam que a inconclusão permanente gera um efeito corrosivo: normaliza o desvio, banaliza o crime e ensina às novas gerações que, no Brasil, o problema não é roubar, mas ser flagrado, e mesmo isso pode ser contornado com tempo, recursos jurídicos e silêncio institucional. Encerrar o ano de 2025 com investigações inconclusas sobre fraudes que atingem milhões de cidadãos equivale a decretar que a verdade pode esperar, que a justiça pode ser adiada e que a República aceita funcionar em estado de suspensão ética. Nenhuma nação séria constrói seu futuro empurrando seus fantasmas para debaixo do tapete do calendário.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Grandes chefs sempre têm que esperar por pedidos. Eles se adaptam a todas as circunstâncias.”

Mwanandeke Kindembo

Mwanandeke Kindembo. Foto: musicinafrica.net

 

História de Brasília

Se não fôsse lugar de político, um bom ministro da Agricultura seria o dr. Israel Pinheiro. Para realizar, mesmo, seria um dos poucos no país. (Publicada em 13.05.1962)

Um problema e tanto

Publicado em Deixe um comentárioÍNTEGRA

VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

jornalistacircecunha@gmail.com

facebook.com/vistolidoeouvido

instagram.com/vistolidoeouvido

 

Ives Gandra Martins Filho, ministro do TST.| Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

 

         Observem a conclusão certeira e atualíssima do professor e jurista Ives Gandra Martins, em seu recente artigo O Direito e o Poder: “O certo é que o mundo passa por um período de escassez de grandes políticos, tendo algumas vezes os magistrados assumido mais papel de políticos do que de julgadores e aplicadores da lei.” Tal situação, que vai nos pegando de surpresa e espanto a cada dia, poderia, em parte, ser resolvida, caso os nossos políticos não expressassem, segundo o professor, “o baixo nível de conhecimento de teorias políticas, por falta de leitura dos clássicos.” Eis aí também uma lição, sobre a importância de a classe política conhecer, a fundo, a história do próprio país. Suas raízes, seus frutos bons e seus fracassos.

         Para entender toda essa mecânica, que parece ir empurrando o judiciário nacional e internacional para uma posição de protagonismo político e ativo dentro do Estado, é preciso aceitar também a realidade de que “as teorias jurídicas sobre o poder e o Direito são meras formulações acadêmicas, que os governantes aceitam ou não, conforme a imposição de sua vontade”. Outra conclusão, é que “aqueles que assumem o poder não estão preocupados com teorias, apenas sendo quando são obrigados a respeitá-la.” Nessa ciranda, que vai se desconstruindo à medida em que evolui, o professor Gandra parece apontar também para o que deveria ser o farol das leis em nosso país, a Suprema Corte, onde, dos onze ministros nessa função, apenas três vieram da magistratura.

         A conclusão que um aluno e admirador desse jurista pode chegar é que há uma sobrecarga, posições e pressões políticas na balança da Justiça e isso é um fato inquietador, mas que poderia ser resolvido, segundo Gandra Martins, se a escolha de magistrados do Supremo ficasse, “não nas mãos de um único eleitor, o presidente da República”, mas numa lista sêxtupla apresentada pelo Conselho Federal da Ordem, pelo Ministério Público e pelos três tribunais federais (STF, STJ, TST). Com essa fórmula, o presidente poderia escolher um entre os 18 nomes indicados pela cúpula das três instituições e, necessariamente, oito dos ministros viriam da magistratura e três, alternadamente, do Ministério Público e da advocacia, preservando-se o denominado “quinto constitucional”. Toda essa questão a inquietar os que acompanham essa mutação do Judiciário adquire um contorno mais preocupante quando se verificam que muitos países, como o Canadá, Israel, Nova Zelândia, África do Sul e outros, estão atravessando uma verdadeira onda revolucionária em direção a mudanças significativas constitucionais. Assistimos a uma avalanche de revisões judiciais, por força de uma ação enérgica e estratégica de manutenção do status quo de elites políticas e econômicas, na visão agora do canadense Ran Hirschl, autor do bestseller “Rumo à Juristocracia”.

          As decisões nessa novíssima organização política do Estado ficam agora em mãos e sob a interpretação de juízes não eleitos, não destituíveis e responsabilizáveis, e, além disso, em regime vitalício, com a prerrogativa ainda de controlar e gastar como quer o Orçamento que lhes cabe neste grande latifúndio chamado Brasil.

         Há a teoria que crê que o judiciário é sempre mais previsível que o próprio eleitor e cidadão. Ao se autoconferir um poder de tutelar a nação, o Judiciário assume um novo perfil, não previsto naquele calhamaço de papel que forma a Carta de 88. O pior é que esse desvirtuamento acaba por desembocar no capitalismo de compadrio, revivendo ainda a tese do “homem cordial”, formado agora pela união de interesses de uma elite poderosa com membros das altas cortes.

         Nesse contexto, que relações poderiam existir entre o que acontece agora nos escândalos envolvendo a justiça de Mato Grosso do Sul e essas revoluções constitucionais feitas de cima para baixo? Regressando a Ives Gandra em seu artigo o Direito e o Poder, vemos que voltamos no tempo e estamos imitando os israelitas do passado com seu governo de juízes, experiência que o povo hebreu já conhecia entre 1250 a.C a 1030 a.C, também chamado pelos historiadores de Período dos Juízes.

         A juristocracia, para muitos estudiosos do tema, marca também o fim da democracia como a conhecemos, desativada e substituída por uma tecnocracia que passa a ocupar a máquina do Estado, comandando-a sempre em direção aos próprios interesses. É o tempo também do panconstitucionalismo, em que todas as questões passam a ganhar um verniz constitucional e nada é vetado à apreciação dos juízes.

          Todo esse fenômeno de mudança vai ainda mais longe, abarcando interesses econômicos do movimento de globalização ou, mais precisamente, do globalismo, com um novo e perigoso desenho para a democracia do futuro com o afastamento da vontade popular.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Justiça é a verdade em ação.”

Benjamin Disraeli

Benjamin Disraeli. ©Georgios Kollidas/Fotolia

 

Memória

Em um suplemento do que hoje é o DODF, Malu Mestrinho encontrou um texto da pianista Neusa França, que lecionou no colégio Caseb. A publicação é de 15 de maio de 1970. Neusa faz o registro de vários nomes importantes que deram, à Brasília, o título de eficiente laboratório musical. Leiam na íntegra, a seguir.

 

História de Brasília

Em três anos trabalho foram construídos setecentos mil metros quadrados, o que equivale a mais de 694 metros por dia. Brasília possui, hoje, um milhão e meio de metros quadrados de asfalto considerado de primeira. (Publicada em 21.04.1962)