Pequenos tiranos

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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Caso você tenha filhos pequenos e nunca tenha ouvido falar em infantolatria ou pedocracia é bom, de agora em diante, passar a prestar muita atenção nesses termos. Esse é o primeiro passo caso não deseje passar por grandes aflições, desapontamentos ou outros tipos de problemas mais sérios. Os termos referem-se a um novo e recorrente fenômeno que vem afetando a vida em família.

A infantolatria é um neologismo para definir a ditadura de crianças, que não suportam ser contrariadas em seus desejos. Do mesmo modo, a pedocracia se refere ao poder e ao controle que esses pequenos passaram a exercer sobre os pais, transformando-se em verdadeiros déspotas dentro de casa.

Alguns psicólogos afirmam que a pedocracia nasceu da excessiva idealização da maternidade, com mães abandonando a vida e os projetos pessoais em prol de uma dedicação exclusiva a seus filhos. Em muitos desses casos, elas passam a se repreender, evitando demonstrar cansaço, raiva ou frustração, apenas para não desagradar a seus filhos. De certo modo, essas mães e esses pais desenvolvem um sentimento exagerado de culpa caso quaisquer contrariedades venham a arruinar a suprema e sacrossanta felicidade de suas crianças.

Não chega a ser exagero que muitos desses pais modernos passem a desenvolver um certo sentimento de idolatria pelos filhos, colocados-os no altar como verdadeiros deuses do Olimpo, a quem todos os sacrifícios são feitos. Trata-se, como se vê, de uma reviravolta na autoridade. São as crianças que mandam, e temos os pais lançados ao papel de crianças investidas de uma falsa autoridade adulta.

Nesse tipo de relação, as chantagens emocionais do tipo “eu não amo vocês”, “eu odeio vocês” ou “vocês são os piores pais do mundo” são constantes e fazem efeito, com os pais se sentindo cada vez mais culpados. O problema a que muitos pais não se atentaram é que esse tipo de educação submissa e medrosa é muito danoso para a própria criança. Os pais acham que elas sabem o que querem, e as crianças acham que os pais não querem educá-las. Ficam sem norte.

O mundo fora de casa não terá tanta complacência com esse tipo voluntarioso. Na verdade, tão logo essas crianças passem a conviver com outras pessoas, as frustrações e os desapontamentos serão uma constante e, não raro, trarão problemas muito sérios para o seu desenvolvimento.

Por outro lado, é sabido, e muitos pais admitem sem rodeios, que educar dá muito trabalho e exige um esforço sobrehumano, que muitos não estão dispostos a enfrentar. Há, ainda, outros problemas que apontam para o fato de que muitos dos adultos atuais não estão nem de longe preparados para o exercício de serem pais e mães. Nesse caso, para muitos, fica mais fácil deixar indefinido nessas relações quem são os pais e quem são os filhos. O que se tem são adultos infantilizados, submetidos a crianças exigentes e sem limites.

Fatos como esses não teriam importância maior caso essas disfunções na educação ficassem restritas ao lar. Mas, como a sociedade é composta pelo conjunto de famílias, o que temos como problema é que esses futuros cidadãos poderão criar investidas, algumas com sérias consequências para o meio social em que estarão inseridos. Nenhuma instituição — no caso aqui, a família — pode dar certo ou gerar bons frutos quando os pais passam a desempenhar um papel de súditos de seus filhos.

Esse tipo de (des)educação retira da criança todo e qualquer senso de responsabilidade por seus atos e comportamentos. Muitos delinquentes juvenis, alguns responsáveis por crimes hediondos, vindos da classe média e alta, tiveram uma infância em que imperava o regime da pedocracia ou da infantolatria, em que todas as vontades e os desejos eram aceitos e atendidos. O filósofo de Mondubim costumava dizer que, quando a família se exime de educar, esse papel passa a ser exercido pela polícia.

Outra consequência muito observada hoje sobre esse tipo desestruturado de educar os pequenos pode ser conferida nas escolas, em que professores são desafiados, desrespeitados e, muitas vezes, agredidos por menores que não aceitam o papel de autoridade, venha de onde vier. A cada ano, centenas, senão milhares, de casos de agressão de professores são registrados, sendo que, em muitas dessas ocorrências, a culpa dos fatos acaba maldosamente sendo imputada aos professores, apenas para proteger esses pequenos tiranos.

 

A frase que foi pronunciada:
“’Cala boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu!’ E é com essa frase de ordem que o encantamento do silêncio se desfaz, os habitantes do reino voltam a falar, o reizinho chato some da história.”
O Reizinho mandão, de Ruth Rocha

 

História de Brasília
Leve seus filhos para vacinar contra a poliomielite. Use o pôsto mais próximo de sua residência e defenda sua família contra um dos piores males. (Publicada em 11/4/1962)